Nesta terça-feira (24), a Polícia Civil do Pará, através da Delegacia de Santana do Araguaia, no sul do estado, concluiu o inquérito policial da Operação “Indignus Notarius”, deflagrada no dia 1º de julho deste ano e que resultou no afastamento do grupo familiar que controlava o Cartório “Varão”, o único da cidade, há aproximadamente 40 anos.
De acordo com o delegado Diego Máximo do Prado, titular da Delegacia de Santana do Araguaia e que conduziu as investigações, foram necessários mais de quatro meses para identificar, catalogar e analisar os mais de 50 volumes de documentações apreendidos durante a operação em que foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão e seis de mandados de medidas cautelares diversas da prisão.
No relatório final da investigação, que conteve 106 páginas, 25 anexos, 43 volumes de objetos apreendidos, os investigados foram indiciados por 593 delitos, dos quais 561 foram imputados à titular do cartório, sendo 248 crimes de inserção de dados falsos em sistemas de informações, 31 crimes de falsidade ideológica majorada, 273 crimes contra a ordem tributária, cinco crimes de excesso de exação qualificada, além dos crimes de associação criminosa, prevaricação e estelionato.
Ainda segundo o delegado, quatro de seus filhos, por sua vez, que trabalhavam ou já trabalharam no Cartório, além do titular do Cartório de Pau D’arco, também no sul do Pará, e de seu substituto, foram indiciados, ao todo, por outros 32 delitos. Diego Máximo explica que, durante a investigação, constatou-se a fraudação da prestação de contas da Serventia ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) através da manipulação das informações sobre o seu faturamento, conduta esta que, por consequência, também resultou em diversos crimes contra a ordem tributária considerando que, sobre os emolumentos (taxas remuneratórias de serviços público), incidem 17,5% de taxas judiciárias, além do Imposto Sobre Serviços (ISS).
Ainda segundo ele, também foi verificado que os emolumentos devidos pelos atos praticados não eram mencionados nos documentos, impedindo que o usuário soubesse qual era, de fato, o valor devido por aquele serviço. “E uma vez que estes valores são informações que necessariamente deveriam ter sido mencionadas, cada documento confeccionado pelo Cartório sem estas informações corresponde a um crime de falsidade ideológica com causa de aumento de pena em razão da condição equiparada à de servidor público”, explica o delegado.
Diego Máximo detalha também que a delegatária acumulava, inclusive, quase quatorze mil selos não declarados ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará e ainda assim continuava a adquirir novos selos regularmente. “Apurou-se também que, os investigados incluíam, em cima do valor da tabela, a percentagem de 17,5%, que é o valor das taxas judiciárias, prática proibida pelo Tribunal de Justiça. Emolumentos na faixa de cem, duzentos e até trezentos mil eram comuns. Apenas um determinado usuário comprovou o pagamento de mais de R$278.000,00”, informa a autoridade policial.
Segundo ele, um fato curioso constatado foi que os valores cobrados, em sua grande maioria, eram redondos, sem números fracionados e nem centavos, o que é incompatível com a tabela de emolumentos do TJ/PA, uma vez que os valores nela contidos são atualizados monetariamente todos os anos e, por isto, normalmente possuem centavos.
“Alguns usuários foram obrigados a entrar com mandados de segurança contra as cobranças abusivas, outros foram proibidos de entrar no cartório pelos filhos da delegatária, em razão de desavenças. Este último fato é absurdo na medida que, os serviços cartorários, possuem natureza pública e, por isso, devem ser prestados de forma impessoal”, enfatiza Diego Máximo.
O delegado pontua ainda que há registros de que, durante uma correição realizada no cartório por um juiz de direito no ano de 2005, um dos filhos da delegatária desacatou e tentou agredir fisicamente o magistrado, interrompendo a fiscalização na Serventia. “Documentos confeccionados no ano de 2017 pelo então responsável da Serventia Extrajudicial da cidade de Pau D’arco também foram apreendidos e conferidos durante a operação, tendo sido encontradas diversas irregularidades que resultaram no indiciamento do titular da referida Serventia e de seu substituto pelos crimes de inserção de dados falsos em sistemas de informação; falsidade ideológica majorada; falsificação de selo, nas modalidades equipada e majorada; além de crime contra a ordem tributária”, destaca Máximo.
De acordo com ele, os indícios de irregularidades também foram encontrados nas declarações de selos emitidas pelo Cartório de Canaã dos Carajás por atos praticados no ano de 2017, cujos preços por alguns serviços foram declarados ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará em valores absurdos, a exemplo de um reconhecimento de firma no valor de quase mil reais.
O delegado observa que operação e investigação foram todas conduzidas pela Delegacia de Santana do Araguaia, mesmo com algumas dificuldades. “Fico orgulhoso deu uma investigação dessa envergadura ter sido conduzida por uma Delegacia Municipal, que possui todas as outras demandas comuns para solucionar e dar andamento, a exemplo de roubos, homicídios e crimes contra vulneráveis. Em regra, apenas Delegacias Especializadas dispõem de recursos, efetivo e disponibilidade para se dedicar a investigações tão complexas. Mas, todos estes obstáculos não foram suficientes para impedir o êxito da investigação”, diz o delegado Diego Máximo.
O delegado observa que o impacto da intervenção no cartório foi tão grande que até as fazendas da região subiram de preço. “O grupo é alvo de diversas outras investigações, que seguem em andamento”, adianta Máximo, que recentemente foi condecorado pela Câmara Municipal de Santana do Araguaia, pela dedicação e combate a criminalidade no município.
O Blog não conseguiu contato com a defesa dos acusados, para falar sobre o caso.
(Tina Santos)