Um levantamento exclusivo realizado pelo Blog do Zé Dudu nesta terça-feira (21) revela: se o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) avançar pela via da proposta do governo federal, que inicialmente pretendia adiá-lo para 2022, ao menos 14 prefeituras paraenses perecerão antes mesmo do apagar das luzes de 2021. Outras 36 vão sobreviver a pão e água, praticamente sem condições de tocar serviços essenciais básicos como saúde e infraestrutura, por exemplo.
O Blog cruzou a cota do Fundeb recebida em 2019 por todas as 144 prefeituras do estado com a receita corrente consolidada naquele ano, por meio de números informados pelo Tesouro Nacional, e chegou à lamentável conclusão de que, para 14 municípios do Pará, a receita da Educação corresponde a mais da metade da arrecadação total. A situação é crítica porque, entre os municípios que podem ir à falência, estão alguns dos que ostentam tanto os piores índices de desenvolvimento humano quanto os mais baixos indicadores de desenvolvimento da educação básica.
Gurupá é o caso, lamentavelmente, mais notável. Nesse município da Ilha do Marajó, no ano passado, praticamente 58% da arrecadação provieram de transferências do Fundeb. Além de ser economicamente pobre e socialmente desigual, Gurupá é campeão nacional em atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com gastos com funcionalismo.
Por diversas ocasiões, o Blog reportou o fato da receita líquida do município ser consumida em absurdos 80% com pessoal. Chegou a um poço sem fundo do qual, com ou sem transferências correntes, é difícil sair. Entretanto, sem Fundeb, pode até desaparecer do mapa, porque não terá condições financeiras para existir, já que, do ponto de vista fiscal, a prefeitura local perdeu sua função social de provedora de serviços básicos à população faz tempo.
E Gurupá não está sozinho. Portel, Afuá, Porto de Moz, Melgaço, Anajás, Prainha, Viseu, Acará, Oeiras do Pará, Igarapé-Miri, Garrafão do Norte e até mesmo Cametá e Breves, dois dos mais populosos municípios do estado, vegetam suas finanças à custa do Fundeb. Se Cametá e Breves batem hoje R$ 250 milhões em arrecadação bruta, devem isso à cota robusta do fundo, que despejou mais de R$ 130 milhões nos cofres de cada um deles.
Se o Fundeb não tiver continuidade em 2021, o fechamento de diversas prefeituras pelo Brasil, e não apenas no Pará, é uma dura realidade. Municípios pobres – e o Pará sabe bem o que é isso – não terão condições de pagar professores, e a consequência é, também, a paralisação de serviços de educação pública. Os efeitos podem ser deletérios.
A nova versão da Proposta à Emenda Constitucional (PEC) do Fundeb quer o aumento gradual da complementação da União ao fundo, que é usado para financiamento da educação básica. Pela proposta, o aporte do governo federal sobe dos atuais 10% para 20% em seis anos. Mas o governo queria, de início, limitar os recursos do Fundeb que poderão ser utilizados para o pagamento de salários de professores, além de repassar uma parte para o novo programa Renda Brasil e adiar a entrada em vigor das mudanças em discussão no fundo para 2022. Nas últimas 48 horas, com a repercussão negativa da ideia e a pressão sobre a necessidade de continuidade do fundo, o governo federal começou a recuar.
Situação confortável, mas nem tanto
Se uma eventual ideia do governo federal, tal como quer, vingar, mesmo os atuais 21 municípios onde menos de 25% da arrecadação bruta é oriunda do Fundeb terão dificuldades para sobreviver. Desse grupo fazem parte nomes como Belém, Ananindeua, Castanhal, Marabá, Barcarena, Tucuruí, Canaã dos Carajás e Parauapebas.
Mas o caso de Parauapebas é o mais surreal e preocupante entre os financeiramente confortáveis. Reconhecidamente bilionário, a receita bruta do maior produtor de minério de ferro do país é um mero devaneio tolo, do ponto de vista fiscal. Em 2019, dos R$ 1,702 bilhão em arrecadação, R$ 179 milhões foram de Fundeb, o que dá apenas 10,5% do total. O problema está no “apenas” e nos detalhes.
Sem Fundeb em 2021, a atual despesa com o pessoal do magistério parauapebense, que deve fechar em R$ 130 milhões este ano, ficará sem pai. Mesmo que a prefeitura resolva assumir esse abacaxi, sua principal fonte de recursos (os royalties de mineração) não pode, em hipótese alguma, ser usada para quitar despesa com pessoal. As demais fontes com que se possa pagar o funcionalismo – o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) – não dão conta de absorver a folha órfã do fundo da Educação. Essas outras receitas já se ocupam em pagar R$ 500 milhões do resto do funcionalismo.
Cria-se, com isso, um grave problema fiscal, e de difícil resolução, mesmo para um município “com muitas posses”, como Parauapebas. Nesse caso, não é por falta de dinheiro, mas por falta de condições legais que amparem a execução de despesa, diante das imposições de legislações vigentes, tanto dos royalties de mineração quanto da responsabilidade fiscal.
Hoje, a folha do magistério de Parauapebas só perde para a de Belém, mas o município é o que paga a maior média salarial a um educador na Região Norte – R$ 6.096 – considerando-se o recente reajuste de 12,84% sobre o vencimento básico da categoria. Um quarto dos professores hoje rompe os R$ 8 mil no contracheque, praticamente o triplo do piso nacional definido pelo Ministério da Educação (MEC) para uma jornada de 40 horas semanais. Sem Fundeb em 2021, os direitos dos educadores de todo o país correm sérios riscos.
Atualmente, entre os 144 municípios do estado, só dois de fato teriam problemas mínimos no curto prazo sem Fundeb: Canaã dos Carajás e Vitória do Xingu. Obras do acaso, eles são municípios que jamais se prepararam para receber as receitas cada vez mais milionárias que faturam hoje – o primeiro, pela extração de minério de ferro e o segundo, pela produção de energia elétrica. Mas nem eles, muito ricos, querem pensar em ficar sem Fundeb. Dinheiro, na atual conjuntura, nunca é demais.
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