Brasília – Em reunião remota da comissão mista que acompanha as ações do governo contra a covid-19, secretários municipais e estaduais de saúde pediram a aprovação do PL 4.078/2020, da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que prorroga o prazo de 31 de dezembro de 2020 para o final de 2021 para a utilização dos recursos recebidos da União para ações de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Segundo os secretários, sem a medida, os recursos que não forem executados nesse período podem ser devolvidos ao Tesouro Nacional. A proposta de Simone, já aprovada pelo Senado, impede que a União solicite a devolução dos recursos enquanto o novo prazo estiver vigente (ou seja, o que não for aplicado em 2020 continuaria disponível até o final do próximo ano). O texto aguarda votação na Câmara e, se confirmado pelos deputados, segue para sanção.
Segundo o secretário-executivo do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, os municípios já receberam do Ministério da Saúde 88% do previsto, mas a maior parte do dinheiro só entrou nas contas das prefeituras a partir de agosto, deixando o prazo para execução apertado.
“Grande parte dos recursos transferidos a estados e municípios aconteceu não em março, quando começou efetivamente a pandemia, quando ela chegou ao nosso país, mas em meados de agosto, início de setembro. Então, não deu tempo de gastar e fazer o gasto efetivo, o gasto real, o gasto com necessidade, com planejamento. Então, é necessário, sim, transferir, transpor esses recursos até dezembro de 2021”, defendeu.
Os gestores municipais e estaduais alegam que a atual crise sanitária pode perdurar durante parte do próximo ano e ressaltam que prefeitos e governadores precisarão fazer frente a compras de vacinas e outros insumos. Coordenador da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Wilson Lima disse que existe uma preocupação também com uma segunda onda da doença no Brasil.
Regra que limita gastos públicos pode prejudicar atendimentos do SUS
Em resposta a questionamentos de deputados e senadores, entre eles o presidente do colegiado, senador Confúcio Moura (MDB-RO), e senadoras Zenaide Maia (Pros- RN) e Eliziane Gama (Cidadania-MA), o secretário-executivo do Conasems, Mauro Junqueira, também apontou a preocupação com o atendimento de cirurgias e procedimentos que ficaram represados em função da pandemia.
“Essa população, que num primeiro momento ficou em casa, se isolou, não procurou a assistência à saúde, está retomando as suas atividades agora, gradativamente. Nós temos aí um cenário de 700 milhões de procedimentos não realizados nesses primeiros meses, nesses últimos oito meses, ou seja, comparando com o ano anterior, nós deixamos de fazer, entre atendimentos ambulatoriais e hospitalares, dos primeiros meses do ano até agora, 700 milhões de procedimentos, podendo chegar aí a 1 bilhão de procedimentos até 31 de dezembro”, informou Junqueira.
Para atender essa demanda reprimida, gestores pedem uma alteração na Lei Complementar 172, de 2020, que trata das transferências da União para estados, municípios e o Distrito Federal, de forma a permitir o uso dos recursos em outras ações de saúde.
“O que nós propomos desse cancelamento, dessa revogação é que ao final do exercício financeiro, os recursos que sobrarem em conta daquilo que foi prestado pelo município com maior eficiência, melhores condições de atendimento possam ser reprogramados pela gestão, no ano seguinte, para aplicar em saúde; em momento nenhum fazer a devolução ou deixar de prestar aquilo que foi programado, mas, ao final do exercício, poder reprogramar de acordo com seu conselho, com seu plano municipal, com seu orçamento municipal”, defendeu o secretário-executivo.
Gestores de saúde nos municípios alegam insegurança para gastar recursos federais
Segundo Junqueira, gestores municipais estão com medo de gastar os recursos direcionados para o combate à pandemia e serem acusados posteriormente por órgãos de controle.
“Os gestores estão amedrontados para utilizarem os recursos. O nome é exatamente este: medo de gastar os recursos. Por mais que nós orientemos os secretários municipais, o que se pode gastar, as portarias estão claras nesse sentido, mas vários órgãos de controle, várias ações feitas acabam por pressionar o gestor a ficar com medo e a não utilizar o recurso federal”, advertiu o especialista.
Junqueira pede que seja garantida a “segurança jurídica” para que os secretários de saúde executem as compras e contratações necessárias no enfrentamento da pandemia.
Contas públicas
Durante a videoconferência, o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), apresentou um diagnóstico das contas do governo durante a pandemia e fez algumas projeções sobre cenários possíveis com o término da calamidade pública. Segundo Salto, o quadro fiscal do país é o “mais desafiador” e há riscos de o Brasil chegar a uma dívida pública “que nunca teve antes”.
“Não é um quadro de insolvência. Certamente ainda não é um quadro de insolvência, mas há um risco que precisa ser controlado de o Brasil viver com uma dívida que nunca teve antes. Quer dizer, vamos ter uma dívida pública neste ano de 69,1% do PIB, um aumento de 20,3 pontos percentuais do PIB em relação ao fechamento do ano passado. O dado de agosto do Banco Central, mais recentemente divulgado, na semana passada, mostra que a dívida já está em 88,8% do PIB. Então, já cresceu 13 pontos em relação ao final de 2019”, assinalou.
Segundo a IFI, do total de R$ 604 bilhões de orçamento já fixados na execução de medidas de enfrentamento à covid, R$ 441 bilhões já foram executados. A previsão é que, com a pandemia, o déficit primário chegue a R$ 877,8 bilhões ao final do ano. O economista disse esperar uma volta a um regime de “respeito às regras fiscais” e projeta que o Brasil consiga restabelecer o nível de crescimento apenas a partir de 2023.