O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é, em sua área de atuação, uma das entidades mais prestigiadas do mundo. Ele recenseia, conta, estima e projeta a população com uma precisão técnica de poucos. Mas não dá para acertar tudo, o tempo todo. E os municípios do sudeste do Pará são sempre calos no sapato do órgão federal, notadamente aquele que hoje se faz mais próspero no Brasil: Canaã dos Carajás.
Sem uma contagem da população no meio da década passada e com o atraso na realização do censo demográfico, que foi empurrado de 2020 para 2022 devido à pandemia de Covid-19, todos os 5.570 municípios brasileiros foram, para mais ou para menos, prejudicados. Mas Canaã dos Carajás pode ter sido o maior de todos eles.
Os dados do IBGE servem de parâmetro para, entre outras coisas, fatiamento de recursos como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que, para a Prefeitura de Canaã dos Carajás, é um quase nada diante da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), principal receita local. Contudo, se Canaã não fosse um município minerador, o FPM certamente seria a principal fonte de recursos para pagamento de salários do funcionalismo local, e seu valor estaria condicionado ao tamanho da população.
Aí mora o problema. O IBGE insiste, desde a primeira estimativa após o censo de 2010, que a população de Canaã aumenta em 1.126 novos moradores a cada ano e que, atualmente, é de 39.103 habitantes — aliás, era em 2021; em 2022, chega a 40.200. Tudo bem que é uma estimativa para tentar deixar mais próximo possível do cenário real, mas todos sabem de cor que é uma projeção furada.
O município ganhou praticamente mil habitantes por ano entre o volume de nascimentos (12.730) e mortes (1.965) desde 2011, mas não se computam nesse incremento populacional os dados de migração, que o IBGE, fora de ano censitário, não dá conta de rastrear. Hoje, Canaã tem uma quantidade de estudantes com até 15 anos na educação básica, em todas as redes de ensino, composta por 19.400 indivíduos (quase a mesma quantidade de Redenção, 21.320) e um eleitorado apto formado por 44.618 votantes (muito próximo do efetivo de Tailândia, 47.075 votantes).
A soma dos estudantes (com até 15 anos) e do eleitorado (maior de 16 anos) jogam à conta de Canaã 64 mil habitantes, número em linha com o que sempre foi defendido pelo Blog do Zé Dudu. E ainda há aqueles que moram no município, mas que nem estudam nem votam em Canaã.
Vacina “descobre” habitantes
Ainda assim, a grande prova de que a população de Canaã não é apenas esses cerca de 40 mil habitantes que o IBGE atribui ao município está na primeira dose da vacina contra a Covid-19. Do total de habitantes estimados, 27.325 seriam o público-alvo da campanha vacinal. Todavia impressionantes 48.753 cidadãos de Canaã foram imunizados com a primeira dose, superando em 78% a total previsto. E mais: superando a população municipal inteira. Com a segunda dose 28.369 foram imunizados.
O total de vacinados reforça o argumento de que a população de Canaã dos Carajás é, pelo menos, 50% maior que a estimativa oficial do IBGE. A mesma situação é verificada no vizinho Parauapebas, onde, nas contas do Ministério da Saúde a partir de dados da estimativa do IBGE, 151.167 habitantes estariam elegíveis à vacinação, mas 184.894 cidadãos receberam a primeira dose de fato, 22% a mais que o esperado. Parauapebas, assim como Canaã, sofre com subestimativa do IBGE, o que atrapalha a confecção de políticas públicas.
No outro extremo, há a situação de supercontagem de São Félix do Xingu, que deve tombar gravemente de faixa de FPM por estar com população muito acima da realidade. Para a vacinação, eram esperados que 87.291 se imunizassem, mas tomaram a primeira dose apenas 15.806 habitantes, o que mostra que a população local não é essa “cola-cola” toda, em se tratando de números.
Se serve de consolo para justificar os lapsos numéricos que muitos prejuízos causam aos municípios e suas populações, os quais dependem de recursos públicos para ver serviços básicos andarem, o instituto de estatística, apesar de sua credibilidade, é feito por humanos. E errar é humano.
2 comentários em “Sem querer querendo, população de Canaã ‘desmascara’ estimativa do IBGE”
Estudei um ano e Estatística, e me formei recentemente em geografia, desde muito novo já era apaixonado por demografia e pelo trabalho importantíssimo do IBGE. Desde o último censo, era notório os erros de cálculos populacionais, lembro bem que S. F. do Xingu chegou a figurar entre os municípios com maior explosão demográfica, nas aulas de cartografia fui analisar a expansão urbana da cidade e pouca coisa mudou. Fica nítido a necessidade de mudança da metodologia da estimativa populacional, um erro grotesco pode prejudicar em muito municípios que necessitam de repasses federais, e o próprio autor da excelentíssima matéria mostrou que não é difícil fazer isso, aliar as estimativas dados quantitativos de alunos e eleitorado ajudam muito nos cálculos de migração, a qual é demasiadamente ignorado pelo IBGE.
Sensacional o texto! Parabéns!