Seminário para discutir a necessidade da rastreabilidade e certificação do ouro produzido no Brasil, foi realizado em conjunto com a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados em parceria com a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável.
Durante a apresentação dos convidados (veja a lista completa aqui), Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, uma organização socioambiental, revelou que das 111 toneladas de ouro exportadas pelo Brasil em 2020, mais de 19 toneladas não tinham registro de origem ou autorizações, ou seja, eram ilegais. Isso no País que é o sexto maior produtor de ouro do mundo.
Ainda segundo Larissa Rodrigues, ainda há o que fazer. “A gente ainda não consegue responder a pergunta essencial que é de onde vem o ouro que está no mercado e que é o fundamento da rastreabilidade”, ressaltou.
O ano de 2023 representou avanços para a rastreabilidade, como o surgimento da nota fiscal eletrônica e a suspensão da boa fé no comércio de ouro entre empresas, uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas as medidas são consideradas insuficientes pelos especialistas.
Com o objetivo de suprir a lacuna na legislação, o deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), apresentou o Projeto de Lei (PL nº 2.580/2023), que dispõe sobre a criação de um mecanismo de rastreamento digital obrigatório para operações envolvendo ouro.
Há o entendimento geral que a legislação brasileira carece de aprimoramento no que se refere a mecanismos para atestar a origem do metal e impedir que o ouro ilegal entre no mercado formal. Em razão disto, Zé Silva justificou a apresentação do PL 2.580/2023, com objetivo de implementar o uso de tecnologia digital para possibilitar a rastreabilidade do ouro produzido e comercializado no Brasil. “A adoção de tecnologia do tipo Blockchain possibilitará o registro eletrônico de todas as operações envolvendo o material, incluindo o monitoramento ao longo da cadeia de produção e transações posteriores, em uma rede segura e à prova de adulterações”, explicou o autor do PL.
Zé Silva disse que o Governo Federal também apresentou projeto de Lei com o mesmo intuito, o PL nº 3.025/2023, para dispor sobre normas de controle de origem, compra, venda e transporte de ouro no território nacional.
“Tendo em vista a necessidade de combater a exploração mineral ilegal, a qual gera devastação, conflitos socioambientais, contaminação e até crise humanitária, propomos o seminário sobre Rastreabilidade do ouro”, explicou o deputado na abertura do evento.
Já o deputado federal Keniston Braga (MDB-PA), cobrou providência do governo para efetivar condições de trabalho compatíveis com a importância da Agência Nacional de Mineração (ANM), que está padecendo de falta de pessoal e baixos salários, prejudicando toda a atividade minerária no país, quer seja com a impossibilidade de realizar a fiscalização do setor, quer seja em manter em dia as rotinas do órgão, que impactam diretamente a arrecadação de impostos do setor e alteram a vida de uma quantidade expressiva de municípios que dependem das taxas minerárias a que têm direito para a execução orçamentários nas cidades.
Projeto do governo
Mais abrangente, o governo Lula encaminhou ao Congresso um projeto de lei com regras para controlar a origem, compra, venda e o transporte de ouro no território nacional (PL nº 3.025/2023), a partir de sugestões do grupo de trabalho criado pelo Executivo para coibir o garimpo ilegal em terras indígenas.
O Projeto de Lei 3025/2023, encaminhado pelo governo Lula ao Congresso Nacional, reformula as regras de comércio e transporte de ouro no Brasil. O texto elimina a presunção de boa-fé na comprovação da origem do metal e torna obrigatória a emissão de nota fiscal eletrônica nas operações de compra e venda, entre outras medidas.
Pela proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, o descumprimento das normas acarretará a apreensão do ouro e a perda em favor da União.
O projeto foi elaborado por um grupo de trabalho do Ministério da Justiça, e atende à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a presunção da boa-fé e determinou ao Executivo a criação de um novo marco legal para o mercado de ouro extraído no País.
A decisão decorreu de ação ajuizada por PSB, Rede e PV contra a presunção de boa-fé, então garantida pela Lei 12.844/2013. Um artigo da lei presumia a “legalidade do ouro adquirido e a boa-fé” do comerciante que adquiria o metal diante das informações prestadas pelo vendedor. Com isso, tornava-se desnecessária a comprovação da origem legal do metal.
O governo alega que o expediente estimulou o crescimento do garimpo ilegal em terras indígenas ou áreas de conservação ambiental. O PL 3.025/2023, segundo o Executivo, permite a responsabilização de elos da cadeia de compra e venda de ouro, impondo exigências para a circulação do que é extraído do garimpo.
Venda
O projeto revoga expressamente a presunção de boa-fé. A primeira venda do ouro será realizada somente pelo titular da permissão de lavra garimpeira à instituição financeira – em geral, distribuidora de valores (DTVMs). Os detalhes da operação serão registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM).
O texto obriga a emissão de nota fiscal eletrônica para compra e venda do produto, além de exigir a transferência bancária como forma de pagamento.
Transporte
A proposta do governo cria a Guia de Transporte e Custódia de Ouro, documento eletrônico que deverá acompanhar todas as movimentações do metal no Brasil. A guia será expedida pelo vendedor em cada transação e terá um número de registro único. O emissor será responsável, cível e criminalmente, pelas informações prestadas.
A guia conterá dados detalhados da operação, como identificação do vendedor e comprador do ouro, local de origem do metal, número da licença ambiental, teor do ouro, transportador e até indicação da origem do mercúrio utilizado no processo de extração.
O projeto de lei impede ainda que os proprietários das instituições financeiras que atuam na comercialização de ouro dos garimpos sejam também donos de garimpos ou tenham familiares nessa situação. O objetivo, conforme o governo, é fechar brechas para a comercialização ilegal do metal (lavagem).
O presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, ressaltou a necessidade de acabar com os garimpos ilegais. “Garimpo ilegal destrói a natureza. Destrói, corrompe, prostitui populações indígenas. Ele é absolutamente avesso ao que nós defendemos, ou seja, a floresta viva e o respeito às populações originárias e tradicionais.”
Recursos
Para o deputado Henderson Pinto (MDB-PA), não dá para pensar em rastreabilidade enquanto não se resolver o problema de falta de infraestrutura e de pessoal para avaliar a cadeia e os pedido de lavra garimpeira.
A falta de recursos da Agência Nacional de Mineração também foi apontada pelo representante do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Roberto Batista.
Segundo Eduardo Gama, da empresa de certificação técnica de mineração Certmine, a regularização do garimpo é dificultada também pelas regras atuais. “Por exemplo, as zonas de amortecimento perto de áreas de proteção. Algumas não têm zonas de manejo. Esse garimpeiro está legal ou ilegal? Não tem plano de manejo para ele. Ainda tem muita coisa que se torna cinzenta, se torna dúbia. O garimpeiro vive numa eterna luta para mostrar que está legal.”
Plataforma
A Universidade de São Paulo, em parceria com o Instituto Igarapé, criou uma plataforma para identificar o ouro ilegal. Todas as informações da ferramenta são públicas, segundo o professor da Escola Politécnica da USP Giorgio do Tomi. “A gente já tem tecnologia e métodos para fazer essa análise de origem agora.”
Segundo José Ubaldino de Lima, representante do Ministério de Minas e Energia, há 225 mil títulos minerários no Brasil, dos quais 20 mil se referem à lavra garimpeira.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.