Após quatro horas de sabatina, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, nesta terça-feira (8), o nome do economista Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), para presidir a autarquia a partir de janeiro de 2025, em substituição a Roberto Campos Neto. Em seguida, uma votação secreta no Plenário confirmou, por 66 votos a favor e 5 contra, a nomeação.
Galípolo foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no fim de agosto para assumir a cadeira de Roberto Campos Neto, cujo mandato, pela lei de autonomia do BC, se encerra em 31 de dezembro deste ano.
O Banco Central terá dois presidentes aprovados, embora só um com mandato. Essa é a primeira transição na chefia da autarquia na lei de autonomia, que prevê mandatos não coincidentes com o presidente da República.
Gabriel Galípolo já havia enfrentado o escrutínio do Senado no ano passado, ao ser indicado para a diretoria do BC, quando era o número 2 de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda. Ao cumprir o rito de beijão-mão, tão apreciado e cobrado pelos senadores, ele visitou cerca de 50 senadores antes da sessão desta terça na CAE.
Na sabatina, ele recebeu elogios de vários expoentes da oposição ao governo atual, como Carlos Portinho (RJ), líder do PL, partido de Jair Bolsonaro, no Senado.
O economista ainda terá de se provar independente dos desejos do governo, apesar de ter votado em conjunto com Campos Neto em quase todas as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). A única exceção foi a fatídica reunião de maio deste ano, quando houve um racha entre os diretores indicados pelo governo atual e aqueles que já estavam no colegiado na gestão de Jair Bolsonaro.
Em setembro, último encontro do Copom, Galípolo votou junto com os demais membros do Copom pela retomada do ciclo de alta da taxa Selic. Houve aumento de 10,50% para 10,75% ao ano.
Na sabatina, ele afirmou que o chefe do Executivo lhe garantiu “liberdade na tomada de decisões” e negou que tenha sofrido qualquer pressão do petista.
“Eu realmente jamais sofri nenhuma pressão. Todas as vezes que o presidente me encontrou ou me ligou, ele me disse: ‘Comigo você vai ter toda tranquilidade, jamais vou te perguntar antes, jamais vou fazer qualquer tipo de interferência, você vai ter todo o tipo de liberdade para tomar a decisão de acordo com o seu juízo. Eu vou respeitar sempre’,” relatou.
Juro restritivo
O diretor do BC afirmou que cabe à instituição colocar os juros em nível restritivo pelo tempo necessário para atingir a meta: “Sou daqueles que defendem que o Banco Central não deveria nem votar na meta de inflação dentro do Conselho Monetário Nacional (CMN)”.
“Hoje temos uma meta estabelecida de 3%, que cabe ao Banco Central perseguir de maneira efetiva, colocando a taxa de juros em um nível restritivo pelo tempo que for necessário para se atingir essa meta. Essa é a função do Banco Central, assim funciona o arcabouço institucional e legal do Banco Central,” observou.
Ele comentou o tema ao abordar a questão da autonomia da instituição. “Sou relativamente novo na vida pública, mas aprendi que nos debates da vida pública existem algumas palavras-chave, que são quase um gatilho. E eu aprendi que autonomia é uma dessas palavras que costumam gerar um debate acalorado,” argumentou. “Eu costumo brincar: a gente precisa fazer um rebrand, a gente precisa re-explicar a ideia de autonomia”.
A autonomia da autoridade monetária, de acordo com o diretor, não deve passar a ideia de que a instituição deve “virar as costas” ao poder democraticamente eleito. Ele também reforçou a necessidade de haver um arcabouço institucional que permita ao BC desempenhar suas funções.
Inflação
Galípolo afirmou que, durante os últimos 12 meses, foi possível observar os núcleos de inflação no Brasil em patamares equivalentes aos das economias mais desenvolvidas e estáveis do mundo, como Estados Unidos e Reino Unido.
“Nós vamos estar sempre sujeitos a momentos mais desafiadores, mas a atuação do Banco Central tem sido inequívoca na perseguição da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional,” afirmou.
Comentou ainda que pode haver frustrações em relação aos avanços e a um ritmo mais lento e trajetória menos linear de queda do juro que o desejado. “Mas penso que os avanços correspondem aos pesos e contrapesos próprios do processo democrático e o tempo necessário para o debate público e a construção de conceitos. E eu prefiro sempre as dores do processo democrático do que as falsas promessas de atalho,” acrescentou.
Ele reconhece que ainda existem numerosos desafios pela frente, citando a consolidação de uma agenda capaz de criar uma economia mais dinâmica e transparente, capaz de combinar maior produtividade e sustentabilidade, o que envolveria o compromisso permanente do Banco Central. “Já foi dito que o banqueiro central deve ser o último dos otimistas e o primeiro dos pessimistas,” exemplifica.
Galípolo também ressaltou que o Brasil também não está ileso à sujeição na economia mundial. “O Brasil tem a oportunidade histórica de se apresentar como um destino atrativo para o empreendedorismo e a inovação voltado para a economia sustentável, se consolidando por um polo de referência global na erradicação da pobreza e crescimento da produção,” disse, reafirmando seu compromisso com o mandato estabelecido pelo arcabouço institucional e legal para a autoridade monetária brasileira.
Gastos fiscais
O diretor concordou com o que Campos Neto tem dito para explicar os gastos fiscais de países avançados na pandemia e o efeito sobre países emergentes.
“Sobre a questão da pandemia, existe uma correlação com o tema climático e com o custo da dívida. Durante a pandemia, Roberto Campos Neto tem dito em vários fóruns, e vou reproduzir a fala porque concordo integralmente: os países avançados fizeram um esforço fiscal maior que países emergentes ou de baixa renda para responder à pandemia. Imediatamente, começa a discussão sobre o processo inflacionário,” disse.
E observou: “É um grande debate global, o quanto aquele processo correspondia a um choque de oferta pela desarticulação das cadeias produtivas e dificuldade de produzir, e quanto correspondia a uma questão de demanda decorrente dos programas de transferência de renda e socorro por causa da pandemia”.
“Minha posição, eu recorro sempre quando tem esse debate a uma fala do Churchill, é que a verdade é uma adúltera, nunca está com uma pessoa só. Provavelmente você consegue encontrar explicações nos dois elementos. Não precisa ser um ou outro. Me parece que é um e outro,” completou, citando o ex-primeiro-ministro britânico.
Segundo ele, após a pandemia os preços relativos se estabeleceram, mas a remuneração do trabalho “ficou relativamente defasada”. Galípolo citou estudos, principalmente nos Estados Unidos, que tentam explicar por que a avaliação e popularidade do governo não acompanha o crescimento econômico.
“A sensação do cidadão é que está melhor que no ano passado, mas já tive mais poder de compra dez anos atrás, cinco anos atrás. Se criar um ambiente para que a tentativa de correção da remuneração do trabalho repasse enquanto custo para quem contrata e consiga encontrar um ambiente de demanda aquecida suficiente para repassar para preço ao consumidor final, o poder aquisitivo não vai ser reposto para o trabalhador e pode inaugurar uma espiral inflacionária,” disse.
Projeções de crescimento
O diretor do Banco Central reconheceu que há anos as projeções de crescimento do Brasil vêm sendo revistas “sistematicamente ao longo do ano para cima, surpreendendo positivamente em relação ao crescimento”.
“Este ano não foi diferente. Existem diversos estudos que tentam explicar por que tem acontecido isso. Uma tendência é que o PIB potencial do Brasil teria sido elevado por reformas recentes, mas a mensuração do ganho de produtividade costuma ser mais difícil de apontar de forma evidente, é mais evidente no agro”, disse.
Segundo Galípolo, “o próprio FMI fez uma revisão agora elevando o que se entende ser o PIB potencial”. O indicado à presidência do Banco Central afirmou que “existe uma correlação com a questão da política fiscal e o nível de atividade econômica, não apenas olhando o volume de estímulo fiscal, mas a composição fiscal qualitativa da política fiscal”.
Ele argumentou que “sempre que isso acontece, a propensão a consumir tende a se elevar”. “Quando redistribui renda, tem um efeito para consumo e isso se adequa ao que a gente vem assistindo”, completou.
Galípolo chamou de uma “modernização e adequação às melhores práticas” a mudança sobre as metas de inflação e lembrou que o Banco Central já trabalha com essa alteração de meta contínua. Ele ressaltou que a “inflação de 2024 é bastante relevante”, e reiterou que o horizonte relevante do BC é mais à frente. Na última reunião do Copom, o horizonte na mira do BC foi o 1º trimestre de 2026.
“O horizonte relevante que estamos olhando é mais para frente. Tem uma desancoragem que não foi alterada na última pesquisa Focus e que nos incomoda. Em conjunção com essas diversas variáveis – expectativas desancoradas, mercado de trabalho mais apertado, condições que parecem adversas de um câmbio que parece permanecer mais desvalorizado do que há um tempo e uma economia crescendo acima das projeções originais – recomendaram maior prudência sobre a política monetária”, declarou.
Galípolo disse que a instituição tem debatido a necessidade de estudos para entender os impactos da tributária nos preços. Segundo ele, seria interessante ver um trabalho sobre a distribuição entre setores, como serviço, indústria e também entre consumo e investimento. “Não é simples, até porque a gente não tem a redação final, a gente não sabe qual é a solução final, nem mesmo a solução final e fazer projeções é sempre muito difícil”, disse.
Ele salientou sobre a importância de se tatear essas mudanças tributárias e relatou sobre a provocação que o Banco Central tem feito aos meios acadêmicos e outras instituições para que possam fazer estudos sobre esse tipo de impacto.
Estágio diferente da economia brasileira
Galípolo disse que a economia brasileira tem dado sinais de estar em um estágio diferente do restante do mundo. Segundo ele, os dados sugerem que a economia brasileira não está em processo de desaceleração.
“Quando a gente olha para a economia brasileira, ela dá sinais de estar em um estágio diferente de boa parte das economias do mundo. Se pegarmos o início dos anos 2000, tinha uma série de fatores que colaboravam, China crescendo e exportando desinflação e importando commodities. EUA e Europa com taxas de juros baixas e jogando liquidez no mundo. Hoje, Japão está começando a subir juros depois de muito tempo, China em desaceleração, EUA na discussão de aterrissagem suave ou abrupta”, afirmou.
Segundo ele, “os dados do Brasil são de desemprego na mínima da série histórica, renda com crescimento de 12% desde o início de 2023 e uma combinação entre inflação e desemprego que vai estar entre as melhores desde o Plano Real, a indústria no máximo da capacidade instalada dos últimos 11 anos, serviço no máximo dos últimos dois [anos]”.
Galípolo disse que “vários dados sugerem uma economia que não está em processo de desaceleração, parece estar pujante”, e completou: “Isso não é ruim, mas cabe ao Banco Central estar de olho na inflação”.
“Isso sugere ao BC que a gente deve assistir a um processo de desinflação mais lento e mais custoso. Como não cabe ao BC correr risco, a função é ser mais conservador para garantir que a taxa de juros está no patamar necessário para se atingir a meta que foi definida”, finalizou.
Câmbio flutuante
Galípolo repetiu na sabatina que o regime de câmbio brasileiro é flutuante e, com isso, a cotação da moeda serve para absorver eventuais choques que atinjam a economia. Ele lembrou que as preocupações sobre o câmbio oscilam e disse que, quando foi indicado para a diretoria do BC, em meados do ano passado, havia a preocupação de que a autarquia se tornaria mais intervencionista. Depois, esse polo mudou.
“No ano de 2023, foi o primeiro ano que a gente não fez nenhuma intervenção extraordinária no final do ano. Aí eu passei a ser acusado de ser mão fraca, ‘ele não intervém, ele deixa correr.’ Então, essas coisas às vezes oscilam muito”, ele disse, respondendo a perguntas de senadores.
Ele disse, também, que o BC tem uma institucionalidade “muito bem consolidada” na política cambial, que sabe mensurar, agregar a informação e reagir, quando necessário. “Eu tenho tentado o máximo possível trazer essas conversas e diálogos para colegiados”, ele acrescentou, citando os outros sete diretores e o presidente do BC.
Relação entre BC e Executivo
O diretor do Banco Central disse sentir que “frustrou as expectativas” de que a sua chegada à autarquia, em meados do ano passado, causaria uma ampla disputa dentro da diretoria. “Eu sinto que eu gerei uma grande frustração, talvez, na expectativa que existia de que ao entrar no Banco Central fosse começar um grande reality show, com grandes disputas e brigas ali dentro”, afirmou.
Ex-secretário-executivo da Fazenda na gestão Haddad, Galípolo foi indicado para a diretoria de Política Monetária do BC em julho do ano passado, com o objetivo de “harmonizar” a relação entre a autoridade monetária e a equipe econômica.
Na sabatina, o diretor afirmou que tem “a melhor relação possível” tanto com o presidente Lula, quanto com o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “Faço uma mea culpa: eu gostaria de, dentro das minhas funções, ter colaborado para que essa relação entre o Banco Central e o próprio Poder Executivo fosse melhor ainda do que ela tem sido”, afirmou.
Galípolo não respondeu a um questionamento do senador Izalci Lucas (PL-DF), que havia perguntado se Galípolo considera as críticas de Lula a Campos Neto “justas”.
Avanço institucional
Ao lado do autor da PEC 65, que dá autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Galípolo defendeu que a autarquia esteja disponível para conduzir seu avanço institucional. “É super importante que o Banco Central esteja disponível e toda a instituição tem de disponibilizar e discutir seu avanço institucional”, disse.
Ele disse considerar que o avanço institucional é algo relevante para ser discutido hoje. “É necessário a gente dar as condições necessárias para que as pessoas possam trabalhar. Não só com o serviço remuneratório delas, mas da infraestrutura necessária, e entendo que hoje está se discutindo muito mais o formato que vai se dar essa discussão de uma evolução institucional”, defendeu.
O diretor disse concordar com o senador Sergio Moro (União-PR) sobre a importância também de o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter a infraestrutura necessária para a função que desempenha.
Número de servidores do BC
Galípolo disse que seria preciso haver mais servidores no Banco Central e elogiou os funcionários da autoridade monetária. “A gente vem passando por uma redução do número de pessoal com mais atribuições. Como falei, já disse várias vezes, cada reunião com servidores do BC é uma pós-graduação. O nível de excelência dos servidores do BC é fantástico”, disse.
“Precisaríamos ter mais gente (no BC). Para além disso, parece que o tema da PEC é exclusivamente remuneratório. Também é, para ter flexibilidade para essas necessidades que são desempenhos de função, mas também existem vários outros temas, de infraestrutura institucional e legal para se fazer investimentos”, declarou. Ele também defendeu que o papel do BC sobre o fiscal é reforçar a sua função de reação.
Bets
Sobre as bets, Galípolo reforçou que a autarquia não versa sobre a regulação de bets, mas que acompanha o tema para avaliar o impacto em consumo e atividade econômica. Segundo ele, o debate dentro do BC começou com avaliações sobre o crescimento da renda e o reflexo em consumo e poupança. O diretor também disse que o BC acompanha as operações de saída de recursos do país.
“Tinha algum vazamento que não era simples de identificar. Passamos a fazer estudos internos e a dialogar com instituições financeiras. Confesso que, nas primeiras reuniões, tive grande desconfiança sobre os números e a cada reunião foram se confirmando até chegar no estudo que ficou público do BC”, revelou.
A preocupação com os sites de apostas e de jogos de azar aumentou após o BC divulgar um levantamento preliminar que aponta que os brasileiros transferiram cerca de R$ 20 bilhões por mês a sites de apostas e jogos de azar entre janeiro e agosto de 2024. O gasto dos beneficiários do Bolsa Família foi de R$ 3 bilhões em agosto, estima o BC.
Bacen
O Banco Central do Brasil (BC, BCB ou Bacen) é uma autarquia federal especial autônoma que integra o Sistema Financeiro Nacional e não é vinculado a um ministério. O BC foi criado pela Lei nº 4.595, de 1964, e tem como tarefas assegurar a estabilidade de preços, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. Ele executa a política monetária, busca manter a inflação baixa e estável e produz o dinheiro em espécie que circula no país.
O banco detém as contas mais importantes do governo federal e é onde o país guarda suas reservas internacionais. As instituições financeiras precisam manter contas próprias no BC. Essas contas são monitoradas para que as transações financeiras aconteçam com fluidez e para que as próprias contas não fechem o dia com saldo negativo.
“O Brasil enfrentou, durante os anos 80, uma crise profunda, levando à moratória da dívida externa e à exclusão do circuito financeiro internacional. Hoje, o Brasil é credor líquido internacional, com mais de 350 bilhões de reservas de dólares. O Brasil apresenta, hoje, um superávit comercial sólido e estrutural, graças à produtividade e à competência dos seus empresários, com destaque à competitividade do setor agro brasileiro. Além disso, o Brasil se solidificou como exportador líquido de petróleo, combinado com uma matriz energética limpa e diversificada. Ter segurança alimentar e energética é uma vantagem especialmente relevante em momentos de tensões políticas elevadas. Tudo isso representa um enorme avanço, em contraste com as condições observadas na década de 70, que, em última análise, contribuíram para a crise da década de 80”, analisou Galípolo na sabatina.
Quem é Gabriel Galípolo
Gabriel Galípolo é formado em Ciências Econômicas e mestre em Economia Política pela PUC de São Paulo, instituição na qual também foi professor nos cursos de graduação, de 2006 a 2012. Além disso, lecionou no MBA de PPPs e Concessões da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Acumula experiências no setor público e privado, atuou de 2017 a 2021 como presidente do Banco Fator, quando se aproximou do PT, sendo reconhecido por ser uma das figuras chaves para intermediar a relação entre a campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva com atores do mercado financeiro, nas eleições de 2022.
Por Val-André Mutran – de Brasília