Foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, em turno suplementar, o projeto de lei (PL n° 836/2021), que aprimora os instrumentos de controle sobre a produção, a venda e o transporte de ouro no país, estabelecendo novas regras para o comércio do metal precioso no Brasil. A matéria tem caráter terminativo e segue para análise na Câmara dos Deputados.
O texto aprovado na CAE contempla pontos do projeto enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em julho de 2023, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo fizesse uma nova regulação para o setor.
O PL, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), recebeu relatório favorável pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), com uma emenda que substitui o texto original, a qual foi aprovada de forma unânime.
Um dos principais pontos do projeto, prevê o fim da presunção de boa-fé na declaração da origem do ouro por parte do vendedor. O texto estabelece que a primeira venda do produto poderá ser realizada apenas pelo titular da permissão de lavra garimpeira a uma instituição financeira. Além disso, o projeto prevê que esse garimpo deverá estar registrado junto a Agência Nacional de Mineração (ANM).
O projeto proíbe a comercialização de ouro com origem em terras indígenas e reservas ambientais e prevê a emissão de nota fiscal eletrônica na compra e venda do produto.
Na justificação, o autor defende um maior controle das fases iniciais de produção de ouro, em razão das falhas atuais nos processos de compra pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, que acabam por transformar o ouro ilegalmente extraído em ativo legalizado, numa espécie de esquentamento do produto.
Tal ativo, segundo Contarato, ficaria em pé de igualdade com aquele garimpado ou minerado legalmente por empresas, cooperativas e garimpeiros em situação regular quanto às regras e licenças minerárias e ambientais.
Para o senador, a atual sistemática, carente de mínimos controles sobre a origem e produção do metal, fomenta o mercado bilionário de ouro extraído em áreas proibidas, como terras indígenas e unidades de conservação na Amazônia.
“O resultado é um aumento do desmatamento naquele bioma e a contaminação dos solos e dos recursos hídricos utilizados pelos povos nativos. O processo de extração ilegal acarreta exposição dessas populações a mercúrio, fato já́ documentado em análise realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)”, argumenta o autor.
O relator destacou que a legislação atual não consegue impedir que o ouro produzido ilegalmente seja comercializado como se tivesse origem legal. “Nesse aspecto, a rastreabilidade é cada vez mais utilizada como instrumento para garantir a origem de produtos que possam estar associados a práticas degradantes do meio ambiente”, ressalta.
Segundo o Instituto Escolhas, um think tank baseado em São Paulo, fundado em agosto de 2015, com o objetivo de qualificar o debate sobre sustentabilidade por meio da análise numérica dos impactos econômicos, sociais e ambientais das decisões públicas e privadas, em levantamento recente apontou que entre 2015 e 2020, foram comercializadas 229 toneladas de ouro com graves indícios de ilegalidade, o que equivale a cerca de metade da produção nacional legalizada.
“A maior parte desse ouro veio da Amazônia e a área ocupada pelos garimpos naquela região já é maior que a extensão da mineração industrial em todo o país“, afiançou o instituto. Nos territórios indígenas, onde a mineração é ilegal, os garimpos cresceram cinco vezes em dez anos e episódios de extrema violência contra os povos originários têm sido constantes.
Ainda segundo o Instituto, essa realidade só́ consegue se sustentar por não existirem controles efetivos sobre a origem do ouro brasileiro e nem ferramentas que permitam monitorar a extração para garantir que ela ocorra em áreas regulares e com os devidos controles ambientais e sociais.
O PL tem o mérito principal de, segundo Kajuru, criar regras na cadeia de produção e comércio de ouro e revogar dispositivos normativos que favorecem a comercialização ilegal de ouro.
O novo texto retira referências a pessoas físicas, com o objetivo de permitir que apenas pessoas jurídicas comercializem ouro, a fim de otimizar o monitoramento das transações. Entre as sugestões propostas e que foi aprovada, também está a tornar obrigatória a exigência de emissão eletrônica da nota fiscal em operações de ouro, de modo a conferir maior controle a essas transações.
O senador Sérgio Moro (União-PR) apresentou uma emenda para proibir a comercialização de ouro proveniente de terras indígenas sem autorização legal, independentemente do estágio do processo de demarcação, bem como de unidades de conservação de proteção integral. Contudo, o relator rejeitou a emenda por estar em conflito com artigo 231 da Constituição, mas acatou a sugestão de retirar o dispositivo em questão do substitutivo apresentado.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.