Brasília – Sessão remota do Senado Federal, na noite do sábado (2), registrou a presença de todos os 81 senadores. De modo incomum, o próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) chamou para si a responsabilidade de articular e aprovar o ‘Plano Mansueto’ e relatou pessoalmente a matéria, numa intrincada negociação com a equipe econômica do governo e senadores líderes partidários. O projeto de socorro a estados e municípios teve 79 votos favoráveis e o auxílio à estados e municípios será de R$ 125 bilhões.
O Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (PLP 39/2020), prevê que os R$ 125 bilhões a estados e municípios para combate à pandemia da Covid-19, inclua repasses diretos e suspensão de dívidas. Foram 79 votos favoráveis e um voto contrário. A matéria segue para a Câmara dos Deputados.
O programa vai direcionar R$ 60 bilhões em quatro parcelas mensais, sendo R$ 10 bilhões exclusivos para ações de saúde e assistência social – R$ 7 bilhões para os estados e R$ 3 bilhões para os municípios – e R$ 50 bilhões para uso livre – R$ 30 bilhões para os estados e R$ 20 bilhões para os municípios. Além disso, o Distrito Federal receberá uma cota à parte, de R$ 154,6 milhões, em função de não participar do rateio entre os municípios. Esse valor também será remetido em quatro parcelas.
Além dos repasses, os estados e municípios serão beneficiados com a liberação de R$ 49 bilhões, através da suspensão e renegociação de dívidas com a União e com bancos públicos, e de outros R$ 10,6 bilhões pela renegociação de empréstimos com organismos internacionais, que têm aval da União. Os municípios serão beneficiados, ainda, com a suspensão do pagamento de dívidas previdenciárias que venceriam até o final do ano. Essa medida foi acrescentada ao texto durante a votação, por meio de emenda, e deverá representar um alívio de R$ 5,6 bilhões nas contas das prefeituras. Municípios que tenham regimes próprios de previdência para os seus servidores ficarão dispensados de pagar a contribuição patronal, desde que isso seja autorizado por lei municipal específica.
O auxílio foi aprovado na forma de um texto apresentado pelo relator, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), e que substitui a proposta original enviada pela Câmara (PLP 149/2019). Dessa forma, o Senado, como autor do projeto de lei (PLP 39/2020), terá a palavra final sobre o assunto — ou seja, caso os deputados promovam mudanças, elas terão que ser confirmadas pelos senadores.
Nessa discussão, os parlamentares apreciaram centenas de emendas. O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) apresentou uma emenda que fixa em 4% a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais de produtos minerais. A medida é uma compensação pelas perdas da Lei Kandir. Em sua justificativa, o senador defende que a medida acaba com uma “situação intolerável, incompatível com o estado de emergência que estamos enfrentando”. Para Zequinha, os estados precisam exercitar as suas competências tributárias como forma de combater a pandemia.
O senador Jader Barbalho (MDB-PA) apresentou duas emendas que foram apreciadas na votação. Na de nº 73, o parlamentar propôs que o auxílio seja de R$ 35 bilhões para estados e DF e R$ 15 bilhões para os municípios.
Em outra emenda, Jader propôs: “Para evitar um endividamento excessivo da União, propomos que sejam utilizadas fontes de recursos adicionais. A primeira seria a utilização das reservas internacionais, que atualmente ultrapassam a quantia de US$ 370 bilhões, segundo informou o Ministro da Economia, Paulo Guedes, em conversa com os senadores do MDB. Esse valor é bastante confortável por qualquer métrica utilizada para avaliar o nível ótimo das reservas internacionais,” explicou.
O senador Paulo Rocha (PT-PA) fez a defesa do funcionalismo público, rejeitando qualquer medida que congelasse o salário, já defasado das categorias do serviço público, sem aumento salarial há três anos.
Distribuição dos recursos
A fórmula para repartir os recursos entre os entes federativos foi uma das grandes alterações promovidas por Davi Alcolumbre no seu texto substitutivo. A versão da Câmara usava como critério a queda de arrecadação dos impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Em nota técnica publicada no último dia 24, a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) observou que essa regra levaria a um impacto fiscal de maior risco para a União, além de criar incentivo para um relaxamento de controles fiscais por parte dos estados e municípios. Além disso, Davi esclareceu que o critério antigo trazia problemas de operacionalização e fiscalização e tenderia a favorecer os estados e municípios mais ricos.
Dos R$ 60 bilhões de auxílio direto aprovados neste sábado, R$ 50 bilhões poderão ser usados livremente. Essa fatia será dividida em R$ 30 bilhões para os estados e o Distrito Federal e R$ 20 bilhões para os municípios. Originalmente, essa divisão era de metade para cada grupo de entes federativos, mas o Plenário reivindicou um aporte maior para os estados, o que foi acatado pelo presidente do Senado, que assumiu a relatoria e as negociações do texto junto à Câmara e ao governo federal.
O rateio por estado será feito em função da arrecadação do ICMS, da população, da cota no Fundo de Participação dos Estados e da contrapartida paga pela União pelas isenções fiscais relativas à exportação. Já o rateio entre os municípios será calculado dividindo os recursos por estado (excluindo o DF), usando os mesmos critérios para, então, dividir o valor estadual entre os municípios de acordo com a população de cada um.
Um dispositivo acrescentado ao projeto durante a votação determina que estados e municípios deverão privilegiar micro e pequenas empresas nas compras de produtos e serviços com os recursos liberados pelo projeto.
Por sua vez, os R$ 7 bilhões destinados aos estados para saúde e assistência serão divididos de acordo com a população de cada um (critério com peso de 60%) e com a taxa de incidência da Covid-19 (peso de 40%), apurada no dia 5 de cada mês. Os R$ 3 bilhões enviados para os municípios para esse mesmo fim serão distribuídos de acordo com o tamanho da população.
Davi Alcolumbre explicou que usou a taxa de incidência como critério para estimular a aplicação de um maior número de testes, o que é essencial para definir estratégias de combate à pandemia, e também porque ela serve para avaliar a capacidade do sistema de saúde local de acolher pacientes da Covid-19. Já a distribuição de acordo com a população visa privilegiar os entes que poderão ter maior número absoluto de infectados e doentes. Davi observou que não adotou o mesmo critério para divisão entre os municípios porque é mais difícil medir a incidência em nível municipal e para não estimular ações que possam contribuir para espalhar mais rapidamente a Covid-19, como a liberação de quarentenas.
Suspensão das dívidas
A suspensão de dívidas abrangerá os pagamentos programados para todo o ano de 2020. Os valores não pagos serão incorporados ao saldo devedor apenas em 1º de janeiro de 2022, atualizados, mas sem juros, multas ou inclusão no cadastro de inadimplentes. A partir daí, o valor das parcelas que tiveram o pagamento suspenso será diluído nas parcelas seguintes.
Os valores pagos durante o período de suspensão serão atualizados e somados aos encargos de adimplência para abaterem o saldo da dívida a partir de janeiro de 2021. As parcelas anteriores a março de 2020 não pagas em razão de liminar da Justiça também poderão ser incluídas no programa. Também nesse caso não caberão juros e multa por inadimplência.
Em outra frente, o substitutivo permite a reestruturação das dívidas internas e externas dos entes federativos, incluindo a suspensão do pagamento das parcelas de 2020, desde que mantidas as condições originais do contrato. Nesse caso, não é necessário o aval da União para a repactuação e as garantias eventualmente oferecidas permanecem as mesmas.
Para acelerar o processo de renegociação, a proposta define que caberá às instituições financeiras verificar o cumprimento dos limites e condições dos aditivos aos contratos. Já a União fica proibida de executar garantias e contragarantias em caso de inadimplência nesses contratos, desde que a renegociação tenha sido inviabilizada por culpa da instituição credora.
Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus
RECURSOS
- R$ 60,1 bilhões
de auxílio federativo - R$ 50,1 bilhões
para uso definido pelos estados, municípios e Distrito Federal - R$ 30 bi → estados
- R$ 20 bi → municípios
- R$ 154,6 mi → DF
- R$ 10 bilhões
para saúde pública e assistência social - R$ 7 bi → estados
- R$ 3 bi → municípios
- R$ 49 bilhões
com a suspensão do pagamento de dívidas com a União em 2020 - R$ 10,6 bilhões
com a renegociação das dívidas com organismos internacionais - R$ 5,6 bilhões
com a suspensão de pagamentos de dívidas previdenciárias dos municípios
Contrapartidas
- Proibição de reajuste de salários e benefícios para servidores públicos até 2022, incluindo parlamentares, ministros e juízes, e excetuando servidores das áreas da saúde, segurança pública e das Forças Armadas;
- Proibição de progressão na carreira para os servidores públicos, com exceção dos servidores dos ex-territórios e de cargos estruturados em carreira, como os militares;
- Vedação de aumento da despesa obrigatória acima da inflação, exceto para covid-19;
- Proibição de contratação, criação de cargos e concurso para novas vagas, exceto vagas em aberto e de chefia, e de trabalhadores temporários para o combate à Covid-19.
Mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal
- Veto a aumento de despesas com pessoal no fim do mandato de titulares de todos os poderes e esferas;
- Flexibilização para permitir transferências voluntárias, novos empréstimos, renegociação de dívidas, antecipação de receitas, aumento de despesas relativas à Covid-19, gasto de receita vinculada a outros fins.
Por Val-André Mutran – em Brasília