Nesta quarta-feira (27), a base de apoio do governo no Senado não teve força para derrotar a aprovação, por 16 votos a favor contra 10, o relatório do senador Marcos Rogério (PL-RO) ao projeto de lei (PL n° 2.903/2023), que define o ano de 1988, quando a Constituição foi promulgada, como marco para demarcação de terras indígenas. O colegiado aprovou também um pedido de urgência para a votação do projeto no Plenário do Senado. A bancada ruralista tenta acordo para que isso aconteça ainda hoje.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que irá colocar a urgência do marco temporal para ser votada em plenário ainda hoje e que há a possibilidade de votar o mérito, na sequência.
‘’Vamos avaliar se há condições de votar o projeto, mas o compromisso foi cumprido em relação a esse tema. Foi submetido às comissões. Agora é o papel do plenário e que vença a maioria’’, disse Pacheco. Ele negou que a aprovação da medida pelo Congresso seja uma afronta ao STF.
‘’É natural o Congresso Nacional possa decidir a esse respeito. Isso pode, inclusive, subsidiar o Supremo Tribunal Federal em relação ao entendimento quanto a esse tema. Não há nenhum tipo de adversidade ou de enfrentamento com o Supremo. É apenas uma posição do Congresso, considerando que nós reputamos que temas dessa natureza devem ser deliberados no Congresso Nacional’’, amenizou Pacheco.
Após quatro horas de reunião, o relatório do senador Marcos Rogério (PL-RO) foi aprovado. Ele rejeitou, em seu complemento ao voto, todas as 39 emendas apresentadas por senadores governistas que são contra a aprovação a matéria e manteve o texto na forma enviada pela Câmara dos Deputados. O mesmo ocorreu na aprovação do PL na Comissão de Agricultura (CRA), em agosto. Para o relator, o projeto é de interesse nacional: ‘’Não é um tema do governo ou da oposição, é um tema de interesse nacional. Nós temos posições que podem até divergir, mas há uma compreensão de que esse é um tema do Brasil’’, destacou.
Relatório elenca critérios para demarcações de novas Terras Indígenas
De acordo com o projeto, para que uma terra seja considerada “área tradicionalmente ocupada” pelos indígenas, será preciso que, além de comprovar que vinha sendo habitada pela comunidade indígena em 5 de outubro de 1988, era usada de forma permanente e utilizada para atividades produtivas. Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
Para o líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), há dificuldade em identificar as terras ocupadas naquela época. Wagner encaminhou a base governista a votar contra o relatório de Marcos Rogério.
Destaque
O projeto prevê que o Estado só pode ter contato com indígenas isolados para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública. O Partido dos Trabalhadores (PT) pediu destaque (votação separada) do trecho para retirar a “intermediação estatal de utilidade pública” e exigir que o auxílio médico seja apenas em risco iminente, em caráter excepcional e mediante plano específico elaborado pela União. A alteração foi rejeitada pelo colegiado.A emenda proposta também esperava retirar do projeto a previsão de que entidades particulares, internacionais ou nacionais, poderiam ter contato com essas comunidades, caso sejam contratadas pelo Estado.
Votos em separado
Senadores contrários ao texto acusam a proposta de diminuir direitos indígenas e de ser inconstitucional. Alguns apresentaram votos em separado, que não chegaram a ser votados. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou substitutivo (texto alternativo ao projeto), mas, com a aprovação do relatório de Marcos Rogério, a proposta alternativa foi prejudicada. A emenda substitutiva previa a necessária consulta prévia das comunidades indígenas em assuntos de seu interesse e a transparência dos processos demarcatórios.
‘’A primeira premissa [errada] é que a Constituição criou direitos em favor dos indígenas, anulando justos títulos preexistentes sobre suas terras. Há aqui uma nítida inversão. Os direitos dos indígenas são originários, isso é, precediam qualquer titulação sobre suas terras. Os títulos dados sobre o que já pertencia a outros são nulos de pleno direito’’, afirmou Alessandro.
O voto em separado do senador Fabiano Contarato (PT-ES) pela rejeição do projeto também foi prejudicado. Segundo o líder do PT no Senado, a proposta, da forma como foi aprovada, altera a posição do Estado com relação aos indígenas que vivem sem contato com a civilização e trará riscos a essas populações.
‘’Esse projeto não trata apenas do marco temporal. Ele fala em aculturamento da comunidade indígena. Ele assegura o contato com os povos isolados. Isso é um risco para a saúde e a vida dos indígenas que ali estão. Isso é um verdadeiro ataque aos povos indígenas. Respeitar os povos indígenas é dizer ‘não’ a esse marco temporal, à aculturação, ao contato aos povos isolados’’, protestou o senador capixaba.
Para o senador Dr. Hiran (PP-RR), no entanto, o isolamento agrava as condições de saúde dos indígenas, como no caso de reservas indígenas no Norte que possuem “a maior área endêmica de uma filariose [doença parasitária] que é oncocercose, que causa cegueira irreversível aos índios que lá estão”, avaliou.
Queda de braço
Em junho, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O assunto voltou a ser debatido a partir de requerimentos apresentados por partidos da oposição e o resultado da votação foi comemorado pela bancada ruralista. A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi ao microfone e chamou os parlamentares da bancada ruralistas de ‘’assassinos do povo indígena’’. Em resposta, foi chamada de ‘’imbecil’’ por vários membros da bancada do agro. Na sequência, parlamentares aprovaram o projeto em plenário.
A votação da urgência para o marco temporal gerou uma crise entre integrantes da esquerda, já que o governo liberou a sua bancada para votar como quisesse. Partidos de centro, que possuem cargos no primeiro escalão, foram favoráveis ao marco temporal. A justificativa oficial dos governistas foi de que a liberação ocorreu porque as legendas de centro já seriam favoráveis ao marco temporal, de qualquer maneira.
Nos bastidores, políticos do PSOL diziam que a liberação ocorreu por um acordo firmado no alinhamento de forças pelo Arcabouço Fiscal, aprovado na véspera: o governo conseguiu os apoios necessários no que dizia respeito ao Arcabouço e deixou, como moeda de troca, que os demais partidos votassem como quisessem na questão que envolve a demarcação de terras.
Congresso só muda a tese se aprovar uma PEC
Ao consultar vários especialistas, a reportagem do Blog do Zé Dudu já havia antecipado que qualquer comemoração em relação à aprovação do projeto de lei (PL n° 2.903/2023) será um vitória de Pirro. O STF já decidiu a questão e o Congresso só pode mudá-la via emenda constitucional (PEC).
Reservadamente, conversou com membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que, na condição do anonimato disseram não ser possível cravar que a bancada ruralista tenha os dois terços dos votos, na Câmara e no Senado para aprovar uma PEC com esse conteúdo.
“Talvez, e isso precisa de tempo, se conseguirmos reunir o apoio da bancada evangélica e católica e a bancada da segurança pública (apelidada de bancada da bala), conseguiríamos os votos’’, concluiu a fonte.
Já o senador Zequinha Marinho, que é vice-presidente da FPA, falou com a reportagem sem pedir reservas.
‘’Essa questão do Marco Temporal muita gente acha que é uma briga da oposição contra a situação, contra o governo. Não existe nada disso. Que seria uma briga da direita contra a esquerda, também não tem nada disso. É uma luta do produtor rural contra os indígenas, também não. Não queremos briga com ninguém. Nós queremos paz, e o Marco Temporal vai trazer paz no campo. O Marco é uma ferramenta muito importante para garantir segurança jurídica e assegurar o direito de propriedade no Brasil. Atualmente, são destinados 14% do território nacional para uma população de indígenas que não chega a 1% da população brasileira. Se o Marco não for estabelecido já, dos atuais 14% podemos passar para 26%, asfixiando os não-indígenas e dificultando a produção e a vida desse país’’, explicou o senador paraense.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
1 comentário em “Senado: CCJ aprova PL que cria marco temporal para a regularização de terras indígenas”
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