Brasília – Após dois anos de discussões para a construção de um texto de mudança na legislação que crie um novo marco regulatório do saneamento básico no Congresso Nacional. A versão atual do projeto, que já foi aprovada na Câmara, deverá ser votada pelo Senado nesta quarta-feira (24) e, caso seja aceita sem alterações, seguirá para sanção presidencial.
O projeto de lei (PL 4.162/2019), que estabelece o Novo Marco do Saneamento, muda as regras para a prestação de serviços de saneamento, facilitando a entrada de empresas privadas neste mercado.
Segundo os defensores da proposta, a abertura do setor à iniciativa privada e as alterações no marco legal existente permitirá a universalização do acesso à água potável e rede de esgoto até 2033. Segundo os dados mais recentes, do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) 2018, 34 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e 100 milhões não têm seu esgoto coletado.
A proposta é relatada pelo senador por Tasso Jereissati (PSDB-CE), que apresentou novo parecer, mantendo o texto aprovado pela Câmara. Com isso, espera aprovar o projeto sem que haja alterações no mérito. Se isso ocorrer, a proposta retorna à Casa Baixa para nova análise.
Caso aprovado Jereissati prevê que serão movimentados de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões em investimentos: “Será o maior impulso para a retomada econômica pós-pandemia. Não há nenhum setor que tenha mais oportunidades de crescimento do que o saneamento em todo o país. O déficit brasileiro é um dos maiores do mundo”, destacou o senador cearense.
Mudanças
A principal mudança é a obrigatoriedade da abertura de licitação quando os Estados e municípios, responsáveis pelos serviços, contratarem um serviço de saneamento. O processo deve ter a participação de empresas públicas e privadas. Atualmente, 94% das cidades são atendidas por estatais e apenas 6% por empresas privadas.
Prioridade do governo
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que: “A questão do saneamento é o mais importante no momento”. Ele deu a declaração em entrevista ao canal AgroMais, da TV Bandeirantes.
“Temos quase 100 milhões de pessoas que não têm água encanada e não têm esgoto. Ao conseguir melhorar essas questões, tem um alívio no tocante à saúde, porque muitas pessoas se acometem das mais variadas doenças por causa disso. Daí pressiona o sistema de saúde nosso”, declarou o presidente.
O ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) fez coro: disse haver acordo para a aprovação. Já o relator da proposta, Tasso Jereissati (PSDB-CE), afirmou ainda haver pontos de resistência ao texto.
“Acredito que a possibilidade de aprovarmos o projeto é muito grande. A minha dúvida e nós estamos ainda negociando no possível é que não tenha nenhum destaque que possa ser aprovado isoladamente e aí o projeto tenha que voltar para a Câmara”, afirmou.
Tramitação
A proposta foi apresentada ao Congresso por meio de uma medida provisória ainda no governo de Michel Temer (MDB). No entanto, o texto perdeu a validade sem que fosse apreciado. No mesmo dia, o senador Jereissati apresentou um projeto de lei sobre o tema.
Um dos pontos mais controversos é justamente a obrigatoriedade de licitação mesmo em cidades consideradas não lucrativas para o negócio. Segundo a Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), dos 5.500 municípios brasileiros, só 500 apresentam condições de superávit nas operações de saneamento. “O município [que não é superavitário] fica nas mãos do poder público. A fonte de financiamento, nesse caso, deverá ser fiscal”, argumentou na ocasião do lançamento da MP. A contratação em bloco foi uma das alternativas encontradas para encaminhar o tópico.
Apesar disso, a oposição questiona a votação do tema em meio à pandemia. Argumenta que o Congresso deve voltar suas atenções à projetos que ajudem a combater a disseminação da covid-19.
Próximos passos
O governo acredita na aprovação da matéria, e a prova disso é que a equipe econômica já está promovendo reuniões para decidir os próximos passos. O governo já prepara as medidas seguintes à aprovação do novo marco do saneamento básico semana. De um lado, a Agência Nacional de Águas (ANA) tem se reunido com agentes do setor para definir os temas prioritários que serão alvo de regulação federal. De outro, o governo já planeja ao menos três decretos para complementar as novas regras.
Mesmo sem a aprovação definitiva, a ANA, que com a nova lei se tornará um órgão regulador do saneamento, já definiu alguns dos primeiros temas que serão alvo de regulamentação federal, segundo a diretora-presidente, Christianne Dias. O plano é formular as novas diretrizes aos poucos, mas um primeiro pacote já poderá ser lançado até o fim deste ano.
Um dos temas prioritários será a governança das agências reguladoras locais, que hoje é alvo de reclamação das empresas. A ideia é definir requisitos mínimos para que esses órgãos tenham garantidas sua autonomia e capacidade de tomar decisões técnicas.
Outro assunto primordial é a metodologia de cálculo da indenização pelos bens reversíveis em caso de encerramento de contratos. O assunto ganhará importância justamente devido às medidas do novo marco que ampliam a concorrência entre estatais e grupos privados. Diante da possibilidade de as companhias públicas perderem parte de seus acordos, é preciso determinar como será calculado o ressarcimento pelos investimentos feitos pelas empresas e ainda não amortizados.
A presidente da ANA destaca que todos esses temas serão alvo de audiência e consulta pública. “Nada será feito de surpresa, toda a sociedade poderá contribuir com o debate”, diz ela.
O prazo para a implementação das diretrizes dependerá do tamanho da estrutura que a agência receberá. A ANA, que hoje tem 350 servidores, já pediu a abertura de um concurso público para outros 100. Além disso, a agência já acertou a transferência de 40 servidores de outros órgãos.
Outro passo necessário após a aprovação da lei será a elaboração de alguns decretos federais, para regulamentar pontos específicos do novo marco. A expectativa das companhias é que ao menos três deles sejam publicados.
Um dos decretos mais aguardados é aquele que definirá a forma de as empresas comprovarem sua capacidade econômico-financeira para fazer os investimentos necessários.
Essa metodologia, que deverá ser publicada em um prazo de 90 dias, será decisiva principalmente para as estatais com menos recursos, que correrão o risco de perderem contratos caso não provem que são capazes de cumprir as metas de universalização.
Para o presidente do Conselho de Administração do grupo Águas do Brasil, Carlos Henrique Lima, o maior impacto no curtíssimo prazo virá não da aprovação da lei e sim dos processos de desestatização conduzidos pelo BNDES, que começam a sair do papel neste ano. “Com a nova legislação, a perspectiva é que os concorrentes serão mais ousados, diante da maior segurança jurídica do setor”, afirma. A avaliação do executivo é que o setor privado, hoje com 6% do mercado de saneamento, possa chegar a uma fatia de 40% em dez anos com a nova legislação.
A oposição promete obstruir a votação matéria porque alega que o novo marco do saneamento básico vai privatizar a água e o pobre não terá como ter acesso.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.