Brasília – O Marco Temporal de Terras Indígenas é o destaque nesta quarta-feira (20) na capital do país. Enquanto a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) vota a matéria que, se aprovada pelo colegiado, seguirá para a deliberação do Plenário; o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma a discussão do tema. O placar é de 4 a 2 contra a tese do marco temporal. O julgamento está suspenso, mas deve ser retomado também amanhã.
O projeto de lei n° 490/2007 restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal. Ele foi aprovado no dia 30 de agosto na Câmara dos Deputados, após uma tramitação de seis anos.
Se aprovado na CCJ, o texto seguirá para o Senado, onde é possível haver pedido de vista e que a votação não ocorra. Essa deve ser a estratégia a ser adotada por qualquer um dos senadores da base do governo Lula, que é contra a aprovação do projeto, abrindo mais uma rusga com os ruralistas.
Na semana passada, o senador Marcos Rogério (PL-RO) apresentou seu relatório sobre o tema, no qual manteve a versão da proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, em maio. Segundo ela, os povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam de forma “permanente” na data da promulgação da Constituição de 1988. Caso não comprovem que estavam nas terras na data, as comunidades poderão ser expulsas.
O que o deputados aprovaram:
- autorização de garimpos e plantação de transgênicos em terras indígenas;
- permissão para a celebração de contratos entre indígenas e não-indígenas voltados à exploração de atividades econômicas nos territórios tradicionais e
- possibilidade de realizar empreendimentos econômicos sem que as comunidades afetadas sejam consultadas.
O texto ainda prevê que a regra de marco temporal poderá ser revista em caso de conflitos de posse pelas terras. A União também poderá indenizar a desocupação das terras e validar títulos de propriedade em terras das comunidades indígenas.
De acordo com o projeto, antes de concluído o processo de demarcação, “não haverá qualquer limitação de uso e gozo aos não indígenas que exerçam posse sobre a área, garantida a sua permanência na área objeto de demarcação”.
Julgamento no STF
A discussão do tema também é feita pelo Supremo Tribunal Federal . O placar é de 4 a 2 contra a tese do marco temporal.
O julgamento estava suspenso, mas deve ser retomado também nesta quarta. Até o momento, votaram contra os ministros Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor.
A matéria gera grande apreensão entre os ruralistas devido à permanente insegurança jurídica criada desde a decisão, também do STF, sobre a demarcação em 19 de março de 2009, que encerrou o julgamento da Petição 3388 que questionava, em ação popular ajuizada pelo senador Augusto Affonso Botelho Neto, a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A ação pedia a declaração de nulidade da Portaria nº 534 do Ministério da Justiça, homologada pela Presidência da República em 15 de abril de 2005.
Os ministros da Corte bateram o martelo pela demarcação contínua da Terra Indígena (TI) e imediata retirada dos ocupantes não indígenas. Os avanços de lá para cá foram listados em um dossiê divulgado no início do mês de outubro de 2019 e que foi entregue às autoridades públicas de Brasília. A partir da consolidação da organização política dos povos de Raposa Serra do Sol, a TI se tornou um projeto de vida para os indígenas.
Já os arrozeiros expulsos da área dizem que os índios que lá habitam são comunidades das mais pobres de todo o Brasil e muitos morrem de fome por não ter o que comer ou caçar, uma vez que perderam os costumes ancestrais.
Se em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Carta Magna, a TI reivindicada não estiver comprovadamente ocupada pelo povo que a reivindica, ou em disputa judicial, a tese do Marco Temporal afirma que a ela não há direito originário vinculado. O marco temporal é a principal tentativa dos opositores ao direito indígena à terra de transformar o que consideram uma derrota no caso Raposa em uma vitória contra as demarcações.
“A tese do Marco Temporal tem sido identificada como uma tábua de salvação para os setores políticos e econômicos contrários à correta demarcação e proteção das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. Esta linha interpretativa deverá ainda ser melhor apreciada, já que não se pode ignorar as normas constitucionais de 1967/69, de 1946, de 1937, de 1934 e muito menos o ordenamento normativo vigente no contexto dos textos constitucionais de 1891 e de 1824,” afirma o advogado Paulo Machado.
De tal maneira que chegamos ao reconhecimento pelo STF como caso de Repercussão Geral o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng (SC). A Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Farma) moveu uma ação de reintegração de posse contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng, que ocupam uma área reivindicada — e já identificada — como parte de seu território tradicional. A terra em disputa é parte do território Ibirama-Laklanõ, que foi reduzido ao longo do século XX.
Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese que servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Poder Judiciário. Como na ação da Repercussão Geral o marco temporal é um dos argumentos estabelecidos, o efeito da decisão do STF poderá ser de cascata nos incontáveis processos de Terras Indígenas judicializadas e até mesmo demarcadas.
Sobre se o julgamento das 19 condicionantes pode interferir na apreciação da Suprema Corte do caso de repercussão geral, Machado entende que “será apenas um precedente”. Os ministros e as ministras deverão apreciar a questão na sua dimensão integral, sem quaisquer limitações interpretativas adotadas em precedentes do próprio STF”.
Por Val-André Mutran – Brasília
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