Na retomada das votações no Plenário do Senado Federal, um dos projetos de destaque será a proposta que reformula a chamada Lei de Falências, com o objetivo de simplificar e dar maior segurança jurídica previsto no direito comercial que trata da vida das empresas de qualquer natureza e aumentar o poder decisório dos credores no processo. De autoria do Poder Executivo, o PL n° 3/2024 foi aprovado pela Câmara dos Deputados na semana passada, com várias alterações.
Entre outros pontos, o texto aprovado pelos deputados federais trata da formulação do plano de falência, da figura do gestor fiduciário, da desburocratização da venda dos bens da massa falida, do mandato do administrador judicial e sua remuneração e uso de créditos de precatórios.
O texto que chega ao Senado é o substitutivo apresentado pela relatora na Câmara, a deputada Dani Cunha (União-RJ), que acatou emendas e incluiu outras mudanças na proposta original do Executivo. O texto final aprovado na Câmara, disse a relatora, foi fruto de negociação com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião na residência oficial da Presidência da Câmara com líderes partidários.
Créditos
A proposta determina que os valores de créditos de natureza trabalhista terão seu pedido de pagamento processado apenas no juízo falimentar, proibindo qualquer ato de execução, cobrança, penhora ou arresto de bens por parte da vara trabalhista. Por outro lado, aumenta de 150 para 200 salários mínimos por credor o limite de créditos que o trabalhador poderá receber da massa falida em primeiro lugar.
Em relação aos créditos da Fazenda Pública, o governo credor deverá informar ao devedor a memória de cálculo com o maior desconto possível que poderia ser obtido em programas de incentivo à regularização ou de transação tributária vigentes.
Caberá à assembleia-geral de credores escolher o gestor fiduciário, para elaborar o plano de falência e levar adiante a venda de bens, além de pagar os credores segundo suas classes de preferência. O administrador judicial da falência somente atuará se a assembleia de credores não eleger um gestor.
No caso de liquidação judicial, extrajudicial ou falência, haverá isenção do imposto de renda sobre o capital no lucro obtido com a venda de bens e direitos do ativo da empresa (como prédios, por exemplo) a fim de pagar os credores.
Plano de falência
Nos atos de avaliação dos bens, o gestor ou administrador judicial poderá contratar avaliadores para bens de valor igual ou superior a mil salários mínimos. Será permitido vender os bens em prazo diferente dos 180 dias atuais se aprovado no plano de falência.
Esse plano deverá conter proposta de gestão dos recursos da massa falida, detalhes da estratégia de venda dos bens encontrados e ações a tomar quanto aos processos judiciais, administrativos ou arbitrais em andamento.
Oposição
Credores que representem, no mínimo, 10% do total de créditos contra a massa falida poderão se opor ao plano de falência. Nesse caso, o plano terá de ser deliberado pela assembleia-geral de credores, e a classe para a qual não haja expectativa de recebimento de valores não terá direito a voto.
O plano de falência não dependerá do consentimento do falido e poderá ser alterado na assembleia por iniciativa do gestor ou administrador judicial ou por propostas alternativas apresentadas por credores que detenham pelo menos 15% dos créditos presentes na reunião.
Remuneração do gestor
Sobre a remuneração desses administradores judiciais e dos gestores, em vez do máximo de 5% dos créditos envolvidos, como a lei prevê atualmente, o texto propõe três limites diferentes a serem levados em conta pelo juiz. O administrador que tiver as contas desaprovadas não terá direito à remuneração.
Mandato do administrador
O texto aprovado prevê mandato de três anos para o administrador judicial nomeado pelo juiz para conduzir o processo falimentar. Esse administrador, seja na falência ou na recuperação judicial, não poderá assumir mais de um processo com dívidas de 100 mil salários mínimos ou mais em até dois anos do término de seu mandato anterior perante o mesmo juízo. Essa proibição de acúmulo de funções em diferentes processos não se aplica caso o administrador judicial conclua os trabalhos em três anos.
O administrador judicial ou gestor fiduciário que já tenha exercido anteriormente essa função na recuperação judicial de determinada empresa não poderá atuar na condução do processo de falência dessa empresa. Ele não poderá contratar parentes ou familiares até o 3º grau, sejam seus ou de magistrados e membros do Ministério Público atuantes em varas de falência.
Comitê de credores
Quanto ao comitê de credores, o projeto prevê a inclusão de um representante da Fazenda Pública. Esse comitê examinará o plano de falência, emitindo parecer; examinará propostas de acordo; e avaliará a necessidade de substituição do gestor.
A fiscalização das atividades do devedor e dos atos do gestor fiduciário ou administrador judicial poderá ser realizada individualmente por qualquer membro do comitê, com acesso amplo e irrestrito a documentos e informações. Se a assembleia-geral assim decidir, o comitê poderá assumir função deliberativa para garantir maior rapidez na elaboração e execução do plano de falência.
Para a realização das assembleias de credores, a Câmara diminuiu o intervalo entre duas convocações sucessivas, passando de cinco dias para uma hora. Já o quórum será de mais da metade do valor dos créditos presentes e mais da metade da maioria numérica de credores presentes.
No caso permitido pela lei, de substituição das deliberações da assembleia-geral por documento de adesão assinado pelos credores, o quórum passa de mais da metade dos créditos para metade desses créditos e a maioria numérica de credores.
No entanto, na autorização de forma alternativa de realização de ativo na falência, como a transformação de dívida em participação no capital, o quórum passa de 2/3 dos créditos para mais da metade dos créditos e maioria numérica dos credores.
Recuperação judicial
Na recuperação judicial, o texto muda de cinco para dois anos o intervalo mínimo entre duas recuperações judiciais sucessivas pedidas pela mesma empresa. O prazo poderá ser dispensado se todos os credores sujeitos ao procedimento anterior tiverem seus créditos totalmente liquidados.
O texto proíbe a inclusão em nova recuperação judicial de créditos vindos de recuperação judicial anterior do mesmo devedor. Os contratos e as obrigações decorrentes de atos cooperativos estarão excluídos da recuperação judicial.
Bens pessoais do devedor
Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, mecanismo usado para buscar, em certas circunstâncias, bens pessoais dos proprietários e administradores da empresa falida para pagar as dívidas, o projeto prevê que seu uso terá que favorecer a todos os credores.
Entretanto, não serão permitidas: a extensão da falência a outras empresas, a ampliação dos beneficiários ou a ampliação da responsabilidade pela dívida a pessoas que não tenham promovido o incidente que motivou o uso desse mecanismo. A mudança atinge os casos previstos inclusive no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Uso de precatórios
O texto aprovado na Câmara permite o uso de qualquer direito creditório contra o poder público [como precatórios] para pagar os credores, contanto que seja pelo seu valor de face. Depois de deduzidas todas as dívidas de credores perante os Fiscos, os direitos creditórios poderão ser cedidos aos credores por valor aceito em assembleia.
Leilão
Em relação aos procedimentos de leilão de bens da massa falida, o texto permite a credores com valores a receber inferiores ao valor da avaliação se unirem para a compra do bem ou mesmo inteirar o restante com outros recursos de que disponham.
Falências em andamento
Para as falências e recuperações judiciais em curso, a proposta permite soluções diferentes, com os limites de remuneração dos administradores judiciais valendo imediatamente. Nas recuperações judiciais, o juiz deverá confirmar ou substituir o administrador atual, que terá mandato de três anos a partir de então.
Em falências com processos de menos de três anos, o administrador ficará na função até completar esse tempo. Naquelas com mais de três anos e menos de seis anos de processo, a assembleia de credores deverá decidir pela continuidade ou não do administrador pelo período restante até se alcançar os seis anos. Finalmente, para aqueles processos com mais de seis anos e ainda em andamento, o juiz deverá nomear um novo administrador.
Outros pontos
• o falido não terá mais direito a acompanhar a avaliação dos bens;
• credores não precisarão mais seguir valor de avaliação para comprar bens da massa falida com seus créditos no processo falimentar;
• acaba com a necessidade de avaliação para a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos a considerável desvalorização;
• o falido poderá fiscalizar a administração da massa falida de forma ampla, requerer providências para conservar direitos e bens da empresa e apresentar recursos.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.