Deve ser adiada, por prazo ainda a ser acordado, a revisão, pela Comissão de Infraestrutura do Senado, da Resolução 482, editada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2012 e revista em 2015. A norma estabelece que a produção de energia solar de gerar taxas a quem usar esse sistema.
Os senadores paraenses Zequinha Marinho, Jader Barbalho e Paulo Rocha querem o adiamento do prazo da consulta pública marcada para o dia 30 de novembro para aprofundar a discussão da matéria. Os três são suplentes no colegiado e opinaram sobre a matéria.
As alterações incluem a cobrança pelo uso da rede elétrica e a suspensão gradual de outros subsídios, o que, na avaliação de parlamentares, vai desestimular investimentos em energias renováveis.
Para os senadores ouvidos pela Reportagem, a Aneel incorre num paradoxo ao, num primeiro momento, estimular a microgeração de energia — cuja montagem de um pequeno sistema era considerado oneroso há alguns anos, para gerar energia para uma residência com quatro adultos, por exemplo, com vida útil dos painéis solares em torno de 20 anos —, e agora, num segundo momento, quando houve queda nos custos para implementação do sistema, mudar as regras e introduzir a taxação dessa geração com mais um ônus para o consumidor que está se sentido enganado pela agência que regulamentar o setor e deveria proteger os consumidores e não as empresas ao regulamentar o setor.
A Aneel é atualmente odiada, especialmente no Estado do Pará, o segundo maior gerador de energia do País, mas onde os consumidores pagam a maior taxação do território nacional. A agência abriu uma consulta pública em outubro para rever as regras que tratam da chamada geração distribuída previstas na Resolução 482, editada em de 2012 e revista em 2015.
Nessa modalidade, consumidores podem gerar a própria energia elétrica em suas residências, empresas ou propriedades rurais. Hoje, com a instalação de placas solares em seus telhados, os consumidores podem entregar a energia excedente ao sistema elétrico pelas redes das distribuidoras e receber a energia de outras fontes de geração do sistema à noite.
O excedente fica como crédito e pode ser usado para o abatimento de uma ou mais contas de energia do mesmo titular. A resolução também estabeleceu subsídios para incentivar a geração caseira de energia, como a isenção do pagamento de tarifas pelo uso da rede elétrica e de outros componentes da conta de energia, como os encargos setoriais (que geram receita para subsidiar programas sociais como a tarifa social e o programa Luz para Todos, por exemplo).
Na visão da Aneel, o crescimento da geração distribuída traz um problema: a transferência de custos do sistema elétrico aos demais consumidores. O diretor da agência, Rodrigo Limp, ressaltou que esses incentivos são cobrados de todos os consumidores e que o “crescimento exponencial” da energia solar pode acarretar aumentos na conta de luz. Com a revisão da norma, a intenção da agência reguladora é reduzir gradualmente esses subsídios. “Em 2015, a gente já identificava que esse modelo de compensação não é sustentável em longo prazo”, afirmou o diretor da Aneel.
Rodrigo Limp garante que o mercado de energia distribuída continuará atraente com as mudanças sugeridas pela Aneel. Pelos cálculos da agência, a taxa de retorno do investimento, ou seja, o tempo para uma pessoa recuperar o dinheiro investido após instalar os painéis solares subirá, segundo ele, “apenas um ano e meio” em média, mas não convenceu os senadores.
A preocupação da Aneel é compartilhada pelo representante do governo. O diretor do Departamento de Políticas Sociais e Universalização do Acesso à Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia (MME), Antônio Celso de Abreu Júnior, defendeu a busca de um equilíbrio no texto que garanta tarifa justa para os microgeradores de energia e que não inviabilize a taxa de retorno do investimento.
“Todo mundo quer instalar painel fotovoltaico. Aumentando o número, o mercado cai e isso afetará a receita da distribuidora. Afetando a receita, elas [as distribuidoras] têm que repassar os custos”, assinalou.
Projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentadas na audiência da CI pelo representante da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Aurélio Madureira apontou que, se as regras atuais forem mantidas, 25% da energia gerada no Brasil em 2050 virá da GD. Segundo ele, os subsídios já cumpriram a função de estimular o setor, corroborando com a sustentação de necessidade de reformulação da política compensatória hoje vigente e que a Aneel que modificar.
Ele disse que: “Nosso entendimento é que as fontes renováveis já são sustentáveis. Por isso, os subsídios já cumpriram a sua missão”.
Mudança pode desestimular crescimento do setor
Há oito anos, quando a Aneel baixou a resolução 482/2012, houve uma corrida no setor. Os consumidores fizeram as contas e concluíram que a os sistemas fotovoltaicos eram vantajosos, mesmo em se tratando de um investimento alto que é amortizado em médio prazo (20 anos em média).
A corrida resultou na implantação de mais de 120 mil unidades consumidoras com micro ou minigeração. Mas, conforme a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), isso representa apenas 1% da matriz energética e beneficia 0,2% dos 84 milhões de consumidores brasileiros. Conselheiro da Absolar, Rodrigo Marcolino defende a manutenção das regras atuais para expansão do setor. Ele ressaltou que a geração distribuída, conectada ao sistema elétrico, reduz os custos de geração e transmissão de energia para as concessionárias. “Se eu tiro uma pessoa dessa conta e os outros ficam com essa conta, eles vão pagar mais caro, mas se essa pessoa que sai está contribuindo para reduzir essa conta aí é outra conversa. A geração distribuída traz benefícios para a conta diminuir, traz alívio de carga. Os custos rateados por todos os consumidores são menores. Não somos contra remuneração da rede, não somos contra alocação correta de custos, mas tem que considerar os benefícios da geração distribuída”, argumentou.
A Absolar destaca ainda os benefícios ambientais do crescimento da energia limpa na matriz energética e pede que o Congresso avance em um marco regulatório para garantir segurança jurídica ao setor. Marcolino ressaltou que muitos países definiram metas de “telhados solares” e sugeriu que o Brasil chegue a um milhão de painéis fotovoltaicos instalados até 2022 e cinco milhões até 2030, antes de rever os incentivos. “Uma questão que onera muito a geração distribuída é a instabilidade regulatória”, afirmou.
Críticas dos senadores
“Penso que a Aneel, sendo uma agência reguladora, tem de defender o consumidor e buscar alternativas para que baixe o preço da conta de luz, e não o contrário. Deve-se incentivar que a tecnologia das placas fotovoltaicas seja acessível a um maior número de cidadãos brasileiros. Atualmente, dos mais de 84,2 milhões de consumidores cativos, menos de 146 mil, algo em torno de 0,18%, possuem a tecnologia para transformar o calor do sol em energia. O consumidor brasileiro já não aguenta mais pagar por uma conta de luz exorbitante, desproporcional, completamente desmedida e fora da realidade. Se o governo quer a modernização do setor, tem antes que pensar no consumidor. Naquele que mantém o sistema”, senador Zequinha Marinho (PSC-PA).
Para o senador paraense “a Aneel vai na contramão do que deseja a população brasileira. O Brasil pratica uma das mais altas tarifas de energia do mundo. Penso que não podemos inviabilizar a consolidação de fontes alternativas que venham para aliviar essa conta, pelo contrário. É preciso incentivar. Além de apresentar mais vantagens financeiras a longo prazo, a energia solar é uma fonte mais limpa e renovável”.
Zequinha Marinho conclui afirmando que: “Na condição de presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas (CMMC) defendo fontes alternativas como a solar. Analisando o atual cenário e as projeções de crescimento e investimento do setor fotovoltaico, o país evitará a emissão de 75,38 milhões de toneladas de CO2 até 2035, reduzindo assim a emissão de poluentes atmosféricos danosos ao clima, à qualidade do ar e à saúde da nossa população”, disse o senador Zequinha Marinho (PSC-PA).”
O senador Major Olímpio (PSL-SP), líder do PSL no Senado, concordou com os argumentos do representante da Absolar. Segundo ele, quanto mais energia fotovoltaica e eólica, menor será o acionamento de termelétricas e, consequentemente, menor será o valor da energia. O senador considera que a proposta da Aneel vai inviabilizar o crescimento da geração distribuída ainda no seu nascedouro. “A proposta vai inviabilizar esse tipo de energia no Brasil. Não vamos taxar o sol”, criticou.
A opinião de Major Olímpio é a mesma do senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Ele observou que a economia gerada por quem produz esse tipo de energia é o principal atrativo desse tipo de investimento. “Hoje a participação da energia distribuída na matriz energética não chega a 1%. Precisamos atingir pelo menos 5% a 8% para depois pensar nessa questão. Acho que que foi muito precipitada essa proposta”, avaliou.
A consulta da Aneel vai até 30 de novembro. Os senadores Jaques Wagner (PT-BA) e Carlos Viana (PSD-MG) pediram mais tempo para debater a proposta. Viana considera que essa talvez seja a oportunidade de rever todo o sistema elétrico. “Estamos discutindo um modelo desenhado anos 1950. Talvez seja o momento de começarmos a pensar em um novo modelo estratégico de independência das regiões por base em energias renováveis”, apontou o senador mineiro.
O diretor da agência não descartou adiar a conclusão da consulta. “Não temos óbice em fazer a discussão”, disse.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília.