Senadores desidratam economia da reforma previdenciária

Governo é derrotado na votação em 1° turno e previsão de economia com a reforma é reduzida em R$ 76,4 bilhões em dez anos

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Brasília – Embora a semana fosse decisiva com uma pauta repleta de importantes votações de interesse do governo, a desarticulação da base de apoio no Senado teve sua maior consequência na noite da terça-feira, 1º de outubro.

O governo sofreu uma dura derrota no primeiro turno da votação em plenário da reforma previdenciária, deixando escorrer pelo ralo uma bolada de R$ 76,4 bilhões, com a derrubada do artigo que criava regras mais rígidas para recebimento do abono salarial.  

Com isso, a previsão de economia com a Reforma da Previdência foi desidratada e, em vez de uma economia de R$ 800,3 bilhões em uma década, o que passará a valer são R$ 76,4 bilhões como impacto fiscal da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 6/2019.

O abono é uma espécie de 14º salário pago pelo governo a trabalhadores de baixa renda com carteira assinada.

O Senado decidiu manter o critério atual: pode receber o benefício quem ganha até dois salários mínimos, cerca de R$ 2 mil. A versão da reforma aprovada pela Câmara previa um limite de renda mais restritivo, de aproximadamente R$ 1,3 mil. O governo não conseguiu os votos necessários para que o texto da Câmara fosse mantido.

Plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa ordinária. Ordem do dia.\r\rVotação de destaques.\r\rPainel eletrônico. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

A Reforma da Previdência saiu da Câmara com uma projeção de corte de gastos de R$ 933 bilhões em uma década. A versão original, enviada pelo governo em fevereiro, previa uma redução de R$ 1,2 trilhão nas despesas.

Após a derrota do governo, a sessão do plenário do Senado foi encerrada. A conclusão da votação da Reforma da Previdência, portanto, foi adiada, frustrando os interlocutores do presidente Jair Bolsonaro, que esperavam concluir esta etapa ainda na terça-feira (1º).

O texto-base da PEC foi aprovado por 56 votos a 19. O placar ficou dentro da expectativa do governo, que calculava de 55 a 60 votos a favor da reforma.

Os senadores, depois, começaram a analisar os destaques — votações separadas de trechos específicos do projeto a pedido de partidos políticos. Esse processo foi interrompido após o resultado no destaque sobre o abono salarial.

Na primeira votação, o plenário decidiu que apenas a União poderá criar contribuições extraordinárias para cobrir déficit do regime previdenciário dos servidores públicos.

O processo de votação dos destaques foi interrompido logo após o resultado sobre o abono salarial.  O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que o governo foi derrotado por falta de articulação.

O Senado voltará a analisar os demais destaques a partir das 11h desta quarta-feira (2). O placar no texto-base, porém, mostrou uma margem de sete votos acima do mínimo necessário, 49. O resultado é apertado para a votação no segundo turno, que já está sob pressão.

Toma-lá-dá-cá

A proposta de Reforma da Previdência tem sido alvo de negociações entre o Senado e o governo. O primeiro turno de votação deveria, segundo calendário traçado por Alcolumbre, ter sido concluído na semana passada.

O atraso foi um ato corporativista, em defesa do líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), alvo de operação da Polícia Federal, em setembro.

Agora, em outubro, há pressões de senadores para que se cumpram acordos firmados para que a proposta de restruturação das regras de aposentadorias seja aprovada. Sem o apoio dessa ala, a conclusão da reforma fica ameaçada.

Por causa das queixas, a votação em segundo turno da PEC da Previdência pode sofrer atrasos. A previsão atual é até dia 15 deste mês.

Uma das reclamações é que o pacto federativo – conjunto de medidas que visam destinar mais recursos para estados e municípios – ainda está travado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu entregar o pacote após a aprovação da reforma.

Senadores também cobram a liberação de emendas parlamentares, instrumentos para que possam destinar dinheiro a obras em suas bases eleitorais. Nas negociações com a Câmara, que já aprovou a reforma previdenciária, o governo enviou um projeto para mexer no Orçamento e permitir que quase R$ 2 bilhões sejam usados como emendas parlamentares.

Uma ala do Senado quer o mesmo tratamento. Essa é uma forma de compensar o desgaste político em aprovar medidas impopulares relacionadas a aposentadorias e pensões.

Outro ponto de tensão é a divisão de recursos da cessão onerosa, cujo megaleilão de petróleo está marcado para 6 de novembro. O Senado aprovou uma proposta para que 30% do valor arrecadado sejam distribuídos, em fatias iguais, entre estados e municípios.  Mas há uma articulação na Câmara para que os municípios recebam mais, o que incomoda o Senado.

Em resposta, Alcolumbre costura um acordo com o governo para que uma medida provisória seja editada definindo os critérios de rateio dos recursos de acordo com as regras já aprovadas no Senado.

Assim, o presidente da Casa espera cumprir o prazo de votação em segundo turno até o próximo dia 15. Só depois é que a PEC vai à promulgação e as mudanças nos critérios de aposentadorias passam a valer.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília.