Brasília – Parcela da população proprietária de automóvel, moto ou veículo utilitário, frotistas, taxistas, mototaxistas e motoristas de aplicativos, têm a esperança que a reforma tributária simplifique o caótico sistema tributário nacional e permita uma nova equação que reduza alíquotas e o preço dos combustíveis possam ter uma redução satisfatória na bomba do Posto. OS combustíveis e gás de cozinha, são dois dos itens que mais pesam atualmente na alta da inflação.
A discussão das proposta de reforma tributária “patina” no Congresso Nacional, mas uma coisa é certa: Estados rejeitam mudar a alíquota do ICMS de combustíveis, e os deputados que atacam os preços da Petrobras, o fazem mais por retórica do que por convicção, uma vez que vários desses mesmos parlamentares são candidatos ao governo de seus estados e sabem que o ICMS é a principal fonte de renda de Estados e do Distrito Federal que eventualmente podem vir a governar caso ganhem as eleições do ano que vem.
A maioria dos discursos desses parlamentares “culpam a política que vincula os preços ao mercado internacional por aumentos”. E eles não estão sozinhos.
Em recente debate na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, os parlamentares discutiram com representantes dos estados, do setor de combustíveis e da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 16/2021, do Poder Executivo, que modifica o recolhimento e unifica as alíquotas do tributo estadual.
O debate expos o tamanho do problema a ser enfrentado pelo governo para tentar equacionar a questão. O secretário-adjunto da Fazenda de Minas Gerais, Luiz Cláudio Fernandes Gomes, declarou que o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Consefaz) é contra as mudanças na tributação do ICMS de combustíveis.
Ao apresentar o PLP 16/2021, o governo explica que objetivo da proposta é simplificar o sistema e evitar oscilações nos preços ao consumidor. No entanto, os deputados entenderam que o ICMS não é o principal responsável pelas altas recentes no custo dos combustíveis. Apesar de reconhecerem o impacto do tributo no valor pago nos postos de abastecimento, eles culparam a política da Petrobras que vincula os preços ao mercado internacional.
“Não se pode colocar toda a culpa nos governadores ou na União. Devemos buscar as causas reais, e uma delas é o ICMS. A diferença da alíquota entre estados é superior a 10%”, ponderou o presidente da comissão, deputado Julio César (PSD-PI).
O deputado Sidney Leite (PSD-AM) reclamou que os custos da Petrobras não são transparentes e auditáveis. “Que seja muito claro da Petrobras o que incide neste custo. Tem servidores da Petrobras que não trabalham em plataformas, que não correm risco, mas recebem gratificações como se estivessem na ponta do processo”, criticou, atribuindo os “custos de certas mordomias” do quadro de pessoal da estatal de petróleo e gás ao alto valor pago pelo combustível e lubrificante do dono do veículo.
Numa outra linha de críticas, o deputado Merlong Solano (PT-PI) declarou que o preço do combustível não terá solução somente com mudanças de ordem tributária. “É preciso colocar em pauta a opção pelo preço da paridade internacional. O Brasil tem reservas em abundância, tem experiência tecnológica suficiente, parque industrial subutilizado”, observou. “Está havendo um problema de definição de prioridade, que passou a ser o interesse dos acionistas. Não se pode buscar 100% o interesse do mercado, precisamos de um meio termo. Nem tanto ao mercado, nem tanto ao estado”, ponderou.
Sugestões vem de todas direções. O deputado Christino Aureo (PP-RJ) sugeriu que as mudanças no recolhimento e na alíquota do ICMS de combustíveis sejam realizadas junto com a reforma tributária, para assegurar princípios constitucionais. “Temos carga tributária exagerada, mal distribuída e mal informada à sociedade sobre como se compõe e distribui. O PLP 16/2021 tem pontos positivos, mas sem estabelecer ambiente adequado de discussões com os estados, ele não evolui”, alertou.
Christino Aureo também defendeu o equilíbrio entre a oferta e logística brasileira com os preços de importação de combustíveis. “Que a paridade não seja tão crua. Devemos construir uma solução duradoura em vez da mágica que se espera a cada crise no mercado de transportes, com caminhoneiros ou com a sociedade”, sugeriu.
Estados não querem perder arrecadação
O principal temor dos estados é a perda da arrecadação, já que o ICMS de combustíveis é a sua principal fonte de receita, equivalente a quase 20% do total. O mercado de combustível foi responsável por uma arrecadação de R$ 130 bilhões no ano passado, sendo R$ 81 bilhões somente em ICMS.
Luiz Cláudio Fernandes Gomes afirmou que o ICMS não é o vilão do aumento de preços de combustíveis. Ele observou que, entre 2017 e 2021, o preço do diesel em Minas Gerais subiu 27,06%, enquanto a alíquota não teve variação. O secretário culpou a inflação, a alta de 72% no dólar e de 100,5% no barril do petróleo.
Fernandes Gomes afirmou que a mudança na tributação não vai contribuir para estabilizar os preços. O secretário também teme que a unificação da alíquota leve a um aumento nos preços de combustíveis em alguns estados. “São Paulo tem alíquota menor do que a nacional. Se o estado adotar média nacional, terá pico de inflação”, alertou. Ele criticou o PLP 16/2021 por acreditar que uma alíquota unificada prejudica a autonomia dos estados de fixar as alíquotas, e apontou para as dificuldades de alcançar uma unanimidade no Confaz para alterar a alíquota.
Pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Carla Borges Ferreira concordou que o ICMS não é o principal responsável pela alta do preço dos combustíveis. Na variação do custo do diesel entre maio de 2020 e fevereiro de 2021, o fator mais significativo foi o aumento do preço das refinarias, que segundo ela teve um impacto de R$ 0,60 no litro vendido no posto de abastecimento. Carla também notou que a recente isenção de tributos federais nos combustíveis não chegou ao consumidor. Os preços ficaram estáveis porque a redução dos tributos federais foi incorporada por outros agentes do setor, que se aproveitaram da oportunidade para reajustar o preço de produção, a margem de revenda e o ICMS.
A pesquisadora também culpou o preço de paridade de importação da Petrobras, que são afetados pela alta do dólar e custos de logística, provocando maior volatilidade e constantes aumentos. “A única queda significativa do diesel foi por causa da queda dos preços internacionais do barril do petróleo, durante a pandemia de coronavírus”, notou. Ela alertou que o PLP 16/2021 pode não alcançar o objetivo de reduzir o preço na bomba. “Alterações na tributação têm funcionado como medidas paliativas, mas não resolvem a questão da alta dos preços de sua volatilidade”, explicou.
Alíquotas
Apesar de reconhecer que o ICMS não é o fator fundamental para definir o preço do combustível, o professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eduardo Maneira defendeu na audiência da comissão as mudanças previstas no PLP 16/2021. “Não existe hoje alíquota média ou baixa de combustíveis, tem alíquotas altas e altíssimas, chegando a 34%. Isso revela a dependência dos estados com os combustíveis”, afirmou.
O superintendente de Defesa da Concorrência da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Bruno Caselli, chamou a atenção para as diferenças entre as alíquotas de combustíveis nos estados, especialmente para a gasolina comum, que vão de 25% a 34%. “O etanol tem comportamento diferente, com alguns estados procurando dar incentivo maior à produção local, em Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Por ser um insumo para o transporte de cargas, as alíquotas do diesel são inferiores às da gasolina, variando de 12% a 25%. O GLP tem dois patamares: estados com alíquotas na ordem de 12% e de 18%”, afirmou, embora a rede de Postos que ofertam GLP seja insuficiente para abastecer taxistas, frotistas e motoristas de aplicativos.
Recolhimento
Além de unificar as alíquotas, o PLP 16/2021 muda a forma de recolhimento do ICMS. Esta é uma das principais razões para defesa da proposta pelo gerente-geral de Contabilidade e Tributário da Petrobras, Cristiano Gadelha Vidal Campelo.
Hoje, com a técnica de substituição tributária, o recolhimento do ICMS devido pela operação própria da refinaria, das distribuidoras e dos postos revendedores é antecipado pela própria refinaria. Mas como há mudanças entre o preço estimado na hora do recolhimento na refinaria, com a base de cálculo presumida, e o preço praticado nas bombas de abastecimento, a tributação não é definitiva e requer compensações posteriores com pedidos de restituição ou complementação de preço, tornando o sistema um “samba do crioulo doido”.
O PLP instituiu um sistema de tributação monofásico, em que o imposto é recolhido de forma concentrada na refinaria e nas usinas de etanol e biodiesel. Com a concentração da carga nos produtores, não haveria incidência de ICMS na venda entre distribuidoras e postos revendedores, e dos postos para os consumidores finais. Como a alíquota é especifica, não há variação de arrecadação ao longo da cadeia produtiva.
“A sistemática atual é um sistema complexo, com elevados gastos com conformidade fiscal e grande variedade de alíquotas, que mudam de acordo com o combustível, estado e operações”, lamentou o gerente da Petrobras.
“Não há previsibilidade na arrecadação, que varia de acordo com o preço do combustível e gera acúmulo de créditos de ICMS nas distribuidoras, com pedidos de restituição”, completou. Campelo espera que a monofasia dê maior previsibilidade na arrecadação, com uma alíquota uniforme em todos os estados. “Isso dá maior transparência e simplificação. Permite que a sociedade conheça o valor do imposto embutido no produto e melhora o ambiente tributário no setor de combustíveis, com praticidade no cálculo do imposto”, esclareceu.
O professor Eduardo Maneira concorda que o novo sistema de incidência do ICMS proposto é mais racional, simplifica e dá mais segurança ao contribuinte. “Por causa da base de cálculo presumida, o sistema atual traz ônus muito grande para Petrobras, que funciona como grande câmara de compensação, com restituições periódicas quando se cobrou a mais do que o praticado”, disse.
Sonegação
O diretor-executivo do Instituto Combustível Legal (ICL), Guilherme Theófilo, defendeu a aprovação do PLP 16/2021 por acreditar que a proposta vai combater as fraudes no setor, que representam uma sonegação de R$ 14 bilhões em combustíveis, segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas. Ele lembrou que há R$ 70 bilhões inscritos em dívidas ativas da União. “O PLP 16/2021 é de suma importância, estratégica para o setor pela simplificação tributária e redução dos custos burocráticos. Vai combater o mercado irregular, contribuindo para maior arrecadação de tributos. Trará benefícios para toda a sociedade”, elogiou.
A diretora-executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Valéria Lima, também espera que a simplificação da estrutura tributária aumente a transparência, melhore o ambiente de negócios, atraia novos investimentos e reduza os custos do setor, desonerando o consumidor. “A sistemática atual é complexa e custosa, estimula a sonegação e promove o mercado irregular. A carga tributária está na ordem de 44% da gasolina e 24% do preço do diesel”, observou.
Reforma tributária
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a proposta da reforma tributária em discussão no Congresso tem o objetivo de não aumentar a carga tributária, sem prejudicar a arrecadação do governo. As declarações foram feitas durante evento promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na sexta-feira (18), sobre o tema “A Indústria e a Reforma Tributária”. Segundo Lira, é preciso corrigir distorções para evitar que quem ganhe menos pague mais impostos.
O presidente da Câmara quer garantir um amplo debate sobre a proposta e muita transparência para que a reforma seja aprovada pelos deputados. “O que vai marcar nossa passagem [na presidência] é que ninguém vai ser pego de sobressalto, tudo vai ser discutido com transparência e firmeza, mas sempre com a participação de todos. O importante é que corrijamos as distorções e possamos simplificar. Estamos tratando com calma e parcimônia, conversando com todos para evitar distorções financeiras para todos os setores”, explicou o presidente.
Lira disse esperar que o Executivo encaminhe na próxima semana o projeto de lei que trata das mudanças na cobrança do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas e de lucros e dividendos. Segundo Lira, com o texto nas mãos dos deputados, a tramitação da parte infraconstitucional da reforma vai ter andamento.
O acordo firmado com o Senado é que naquela Casa tramitem as propostas de emenda à Constituição (PEC 45/2019) e (PEC 110/2019) e na Câmara os projetos de lei da reforma. Na Câmara, já tramita o Projeto de Lei 3887/2020, que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, em substituição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
“Todas as possibilidades de crescimento do PIB que o Brasil aponta, com as pautas que estão sendo destravadas, andando com naturalidade. As pautas no Plenário têm tido um quórum expressivo com muito diálogo e muita negociação. E temos uma Câmara que fala menos e ouve mais, e um regimento alterado que saiu da pauta obstrutiva e permitiu que as coisas comecem a acontecer de maneira intensa”, disse Lira.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.