Brasília – Passadas 48 horas de um anúncio que não saiu, foram reveladas as razões que forçaram o governo a adiar o anúncio do lançamento do Programa Voa Brasil, que estava marcado para a última segunda-feira (5). As companhias aéreas não têm como participar do programa sem a ajuda de R$ 6 bilhões ventilada pelo próprio governo. Um novo capítulo pode ajudar a solução da novela: o ministro do Turismo, Celso Sabino, propôs o uso de recursos do Fundo de Aviação para socorrer as empresas.
O Voa Brasil promete, em sua primeira etapa, oferecer passagens aéreas a R$ 200 para alunos do Programa Universidade para Todos (ProUni) e pensionistas e aposentados federais que não tenham viajado nos últimos doze meses. A versão apresentada indicava que a iniciativa teria sido adiada por problemas de agenda do presidente Lula.
O ministro Silvio Costa Filho, dos Portos e Aeroportos, pasta a qual o programa está vinculado, disse publicamente no mês passado: “O Voa Brasil será anunciado dia 5 de fevereiro pelo presidente da República. Passa a valer dia 5 de fevereiro. Eu quero agradecer à Abear [Associação Brasileira das Empresas Aéreas] e a todas as companhias aéreas que estão ajudando na sua construção”. Mas, sabe-se agora, que o programa não teve autorização “da Torre de Controle para decolar”, deixando o governo numa saia-justa.
A situação das principais empresas aéreas que operam no Brasil é insegura. A Gol pediu um processo de Recuperação Judicial (RJ) bilionário na justiça norte-americana e foi atendida. As demais, LATAM e Azul estão com problema de caixa, principalmente para abastecer as aeronaves com querosene de aviação. Um terceiro fator é a quantidade de processos que correm na justiça contra as empresas.
Há no Brasil, por exemplo, cerca de 50 mil processos em tramitação dos quais a Gol é tida como parte. A própria empresa relatou à Justiça dos Estados Unidos não ter como calcular com exatidão o tamanho do rombo, em razão do “número avassalador de ações e que muitas delas ainda estão sendo discutidas e não têm um valor calculado”.
À Justiça em Nova York, a Gol diz que a solução encontrada foi reservar valores, todo mês, para custear os processos. A quantia estimada é de US$ 7 milhões por mês, algo como R$ 35 milhões, o que chegaria a R$ 420 milhões em 2024. Esse valor poderia ser ainda maior, uma vez que a companhia aérea fez acordos para reduzir a exposição a processos judiciais em 70%, envolvendo passageiros, e 85% com os funcionários.
Hoje, os processos dividem-se entre reclamações de consumidores (65%), processos trabalhistas (30%) e de governos (5%). A Gol fez um duplo alerta à justiça americana, como forma de liberar os valores mensais: além do risco de imagem e reputação com os passageiros, não pagar os processos poderia fazer a justiça brasileira determinar o bloqueio de ativos da companhia, agravando ainda mais sua situação e impedindo-a de operar.
A proposta de Celso Sabino
Embora não seja responsável direto pelo Voa Brasil, o ministro Celso Sabino é um patrono indireto, uma vez que o programa vai fortalecer os planos de sua pasta para a ampliação do turismo nacional.
Ele afirmou que o governo Lula pretende socorrer as empresas aéreas com dinheiro do Fundo Nacional da Aviação Civil (Fnac), e tem apoio de Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) nesse projeto. Não se sabe ainda quanto exatamente será liberado.
A meta do ministro é de que o Fnac funcione como fundo garantidor para as empresas aéreas, mas para isso, precisa aprovar nova legislação. Ele apoia o Projeto de Lei 5.442 de 2020, que amplia de R$ 3 bilhões para R$ 8 bilhões o volume do fundo, e a Lei Geral do Turismo, que amplia os mecanismos de financiamento.
“É necessário para criar os mecanismos adequados para funcionar como garantia”, justificou.
O pedido de recuperação judicial da Gol acendeu um alerta dentro do governo, mas a equipe econômica resiste em liberar dinheiro do Tesouro para dar algum benefício ao setor, que foi amplamente impactado pela pandemia.
Fazenda está reticente
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o Tesouro não tem dinheiro para fazer resgates. Ele questionou o motivo da alta nas passagens aéreas depois da queda de 30,3%, nos últimos 12 meses, no preço do querosene.
“Nós vamos entender melhor o que está acontecendo e não existe socorro com dinheiro do Tesouro. O que está eventualmente na mesa é viabilizar uma reestruturação do setor, mas que não envolva despesa primária,“ declarou nesta segunda, após palestra na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O governo cogitou a criação de um novo fundo para auxiliar as empresas aéreas. Em 24 de janeiro, o ministro Silvio Costa Filho afirmou que, em dez dias, seria criado o “Fundo de Financiamento da Aviação Brasileira”. Segundo ele, esse é um recurso ainda em avaliação.
O diretor da firma de consultoria A&M Infra, David Goldberg, afirmou que a lei que criou o Fnac abre pouco espaço para o uso desejado pelas companhias aéreas e pelo governo. Os recursos do fundo são usados, em sua maioria, para obras em aeroportos públicos, por isso há uma tentativa de mudança na legislação que adapte o dinheiro ao contexto atual.
Balanço da aviação e do turismo
No dia 22 de janeiro, os ministros dos Portos e Aeroportos e do Turismo apresentaram um balanço de 2023. A aviação civil brasileira e o turismo no país encerraram 2023 com os melhores resultados dos últimos quatro anos, segundo dados apresentados. A aviação comercial, por exemplo, fechou o último ano com 112,6 milhões de passageiros transportados no mercado doméstico e internacional, aumento de 15,3% na comparação com dados de 2022.
Meta do turismo
O ministro Celso Sabino declarou que pretende dobrar o volume de recursos gasto por turistas no Brasil até 2027. Em 2023, foram US$ 6,9 bilhões gastos; a meta é chegar a US$ 12 bilhões anuais. Para que isso aconteça, o número de turistas no país teria de passar dos atuais 5,9 milhões para 10 milhões nesse período, ou seja, dobrar.
Sabino diz que as medidas que darão suporte a essa alta já começaram a ser executadas. Ele citou a abertura do escritório da Organização Mundial de Turismo (ONU Turismo) no Brasil e a realização de feiras sobre o tema. Enquanto isso, o Voa Brasil fica em terra, esperando autorização de decolagem.
Por Val-André Mutran – de Brasília