Só 8 municípios do Pará têm fôlego financeiro para andar com as próprias pernas

Nem potências da mineração e da agropecuária têm suficiência financeira para sobreviver caso União, maior fonte pagadora, entre em colapso. Potencial de arrecadação própria é baixíssimo.

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Em meio à discussão de criação de novos municípios, que volta e meia rouba a cena no Pará, o Blog do Zé Dudu fez um levantamento inédito com dados informados no 2º bimestre deste ano por 107 prefeituras à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para checar o tamanho da dependência dos municípios às transferências de terceiros, como a União, madrinha maior da esmagadora maioria dos municípios brasileiros. Aqui no estado, a situação é crítica.

Das 107 prefeituras que entregaram balanço orçamentário referente ao período consolidado encerrado em abril deste ano, por meio do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO), o Blog detectou que apenas oito conseguiriam sobreviver a trancos e barrancos sem que viessem de fora pelo menos 80% do que atualmente arrecadam.

Do total de municípios com informações declaradas, 74 (69%) sobrevivem com mais de R$ 9 de cada R$ 10 vindos de transferências como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). É o grupo financeiramente mais vulnerável à falência e que possui nomes de peso na produção de riquezas do estado, como Abaetetuba, Cametá, Bragança, São Félix do Xingu, Tucuruí, Tailândia e Breves, todos estes com mais de 100 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Pobreza e penúria extremas

A situação é extremamente grave num conjunto de municípios que, não por acaso, estavam entre os piores do país no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 2010. Às vésperas da realização de um novo recenseamento demográfico, do qual serão extraídos os indicadores que vão compor o IDHM 2020, parece que nada mudou — aliás, até piorou, do ponto de vista fiscal — para Gurupá, Tracuateua, Aveiro, Inhangapi, São João de Pirabas, Melgaço, Porto de Moz e Chaves.

Do ponto de vista financeiro, esses oito municípios praticamente não existiriam não fossem Estado e União mantê-los. Em todos eles, mais de 98% do que entra nos cofres das respectivas prefeituras vêm de fora. A situação beira o abismo em Gurupá, onde 99,55% dos R$ 28,28 milhões arrecadados de janeiro a abril deste ano são oriundos de transferências.

Gurupá é, por causa disso e de muito mais, campeão no estado em afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no tocante à despesa com pessoal. Nos quatro primeiros meses de 2019, o município usou 83,93% da receita líquida no pagamento do funcionalismo, muito acima do que preconiza a lei (54% o limite máximo). A situação do município já havia sido alvo de reportagem aqui no Blog do Zé Dudu no final de maio (veja).

Tracuateua também enfrenta drama parecido. Além de ser um dos campeões em estourar a lei com folha de pagamento, o município recebe de fora 99,06% do que arrecada. A situação é delicadíssima e não há sequer opção de como mudar.

Largados à própria sorte pelo Estado e pela União, que financeiramente os sustentam, esses municípios não conseguem se tornar dinâmicos em áreas como agropecuária e turismo, as mais próximas de suas realidades. Em contraponto a prefeituras falidas, a pobreza prospera, de maneira que eles já concentram percentuais de pessoas de baixa renda mais que suficientes para colocá-los nas últimas posições do IDHM.

Os ricos também choram

Mas a dependência financeira não é exclusividade dos municípios mais pobres, ocultos nos rincões do Pará. Mesmo os lugares considerados abastados, como Parauapebas e Canaã dos Carajás, também seriam desmontados caso a União extinguisse, por exemplo, o pagamento dos royalties de mineração, que é ela mesma quem faz, por meio do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) — recurso volátil que, embora possa findar-se com o esgotamento da atividade mineradora, acabou por criar dependência de quase todos os municípios paraenses com indústria extrativa em funcionamento.

Atualmente, as prefeituras de Parauapebas e Canaã faturam rios de dinheiro com royalties, mas sem dúvida ambas fechariam as portas caso o recurso acabasse. Seriam choro e ranger de dentes não só para a administração, mas também, e sobretudo, para a população que, em tese, é a beneficiária dos royalties em forma de serviços públicos.

Em Parauapebas, por exemplo, a dependência de recursos que passam pelas mãos dos governos estadual e federal chega a 86,55%. Dos R$ 437,62 milhões arrecadados no primeiro quadrimestre deste ano, R$ 378,75 milhões vieram de fora do município. Mesmo os royalties, aparentemente gerados no e pelo município, passam pelo crivo da União, que é quem faz a partilha após receber pagamento da mineradora Vale.

Matematicamente, a arrecadação própria do município, em um ano, mal daria para quitar um terço da folha de pagamento, estimada em R$ 502,9 milhões. Hoje, sem royalties de mineração e com uma cota “normal” do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Parauapebas arrecadaria praticamente o mesmo — ou um pouco menos — que Castanhal: cerca de R$ 400 milhões por ano.

Em situação de normalidade financeira, a conta não fecha: como um município que tem arrecadação potencial de R$ 400 milhões (como Parauapebas, sem contar royalties e outras pirotecnias) ostenta uma folha de pagamento de R$ 500 milhões? Em situação de colapso financeiro, até servidores concursados da capital do minério terão de ser fatalmente demitidos, uma vez que a situação atual, de conforto fiscal, não é duradoura tampouco se sustentará nos próximos anos. Para piorar, não há medidas socioeconômicas em Parauapebas que tentem minimizar os riscos de, no futuro, ficar sem o dinheiro que a prefeitura esbanja nos dias atuais.

Do grupo com entre 80% e 90% de dependência, além de Parauapebas e Canaã dos Carajás (83,57%), fazem parte nomes importantes como Santarém (80,92%, o menos dependente do grupo), Marituba (89,61%), Itaituba (82,86%), Redenção (82,71%) e Oriximiná (89,69%, o mais dependente do grupo).

Situação mais equilibrada

Belém e Marabá são os municípios do Pará com o melhor vigor econômico-financeiro. Embora possam passar pela maior das adversidades financeiras, eles se sustentam. São do tipo “balançam, mas não caem” porque, ao longo dos anos, conseguiram ampliar suas bases econômicas e diversificar o portfólio de arrecadação. Não sobrevivem de fonte única de arrecadação (como os municípios produtores de minério de ferro) ou de fonte única pagadora (União, para a maioria deles).

A capital paraense, simplesmente por sua condição de capital, concentra fortes e dinâmicos setores de comércio e serviços, com receita paralela — e maior — à da prefeitura. O dinheiro circula e, embora o orçamento da administração seja importante, não é o principal ganha-pão do município. Além disso, da receita orçamentária arrecadada pela Prefeitura de Belém, apenas 52,71% vêm de fora da cidade. Apesar de representar mais da metade da arrecadação, o percentual é tecnicamente baixo.

Se fosse bem administrado e preparado (em nível de saneamento, saúde, segurança, educação, infraestrutura e tecnologia) para atrair novos negócios nas áreas de indústria, comércio e turismo, Belém seria um dos municípios brasileiros mais financeiramente dinâmicos do país. Atualmente, é o 10º mais populoso, mas sua prefeitura é a 19ª mais rica, sendo batida até por prefeituras de municípios não capitais.

Já Marabá, por seu leque multieconômico e sua importância social no sudeste do Pará, também adquiriu notável autonomia financeira, percorrendo o mesmo trajeto que Belém. Além de se destacar como um dos grandes mineradores do país (maior produtor nacional de cobre), o município é um dos grandes celeiros de agropecuária e uma das grandes promessas de investimento no Brasil na década que vem. A movimentação de seus vários segmentos econômicos, como seu polo universitário, rende o segundo maior volume de receita próprias, só atrás de Belém. Tudo isso vai libertando a prefeitura local da dependência de transferências.

Hoje, 68,06% da receita de Marabá vêm do Estado e da União. É um percentual baixo, considerando-se o fato de que 92% das prefeituras paraenses e 85% das prefeituras do Brasil dependem em mais de 80% de transferências correntes.

Além de Belém e Marabá, os municípios com prefeituras onde menos de 80% da arrecadação vêm de transferências são Barcarena (69,51%), Ananindeua (73,55%), Paragominas (74,29%), Castanhal (78,04%), Anapu (78,53%) e Altamira (78,87%).

Confira os percentuais de dependência financeira das transferências correntes por município!

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