Sob ameaça de protestos de agricultores europeus, acordo do Mercosul com União Europeia avança

Rodada de negociação em Brasília nesta semana é nova tentativa de fechar o acordo até dezembro
Colheitadeira em plantação de soja no Mato Grosso

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Sob a ameaça de novos e barulhentos protestos com promessas de interdição de rodovias e outras ações espalhafatosas do gênero, os agricultores europeus estão de olho no avanço das negociações entre representantes do Mercosul e da União Europeia (UE), que fizeram nova rodada de negociação nesta semana em Brasília, na tentativa de fechar um acordo até dezembro.

Tal avanço foi suficiente para agitar imediatamente agricultores europeus, que na sexta-feira (11), ameaçaram com novos protestos contra o entendimento com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e os 27 países que integram o bloco europeu.

Negociadores dos dois blocos, reunidos de segunda a quarta-feira em Brasília, procuraram aproximar posições num ambiente considerado positivo. A avaliação é de que existem boas perspectivas de um anúncio, ‘enfim verdadeiro’, de conclusão das negociações até o fim do ano, depois de quase 25 anos de discussões.

Do ponto de vista econômico e geopolítico, considera-se que o acordo com o Mercosul se tornou hoje ainda mais importante para a Europa do que em qualquer outro momento. Um dos novos elementos do futuro acordo, se realmente fechado, incluirá por exemplo cooperação sobre minérios estratégicos, centrais para a transição energética e digital e para a segurança nacional.

O interesse europeu pode ser ilustrado com pelo menos seis vindas de delegações europeias ao Brasil para a negociação, nos últimos tempos. Em todo o caso, vários temas vão acabar sendo negociados até a véspera de um eventual anúncio, como sempre ocorre nesse tipo de acordo. Isso inclui a compatibilidade das preferências fornecidas pela UE ao Mercosul com sua lei antidesmatamento, que vai na outra ponta e ameaça justamente a entrada de commodities brasileiras como soja, café, madeiras.

Soberania nacional

No embalo da rodada de Brasília nesta semana, o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), alertou, em pronunciamento nesta semana, que “a lei antidesmatamento europeia desconsidera o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651, de 2012), que diferencia o desmatamento legal do ilegal. Para ele, os europeus tratam qualquer tipo de desmatamento no Brasil como ilegal, mesmo quando está em conformidade com as legislações ambientais. Sendo assim, a lei europeia fere, mesmo que de forma lateral, a soberania do Brasil e afronta as leis do comércio internacional”.

Desde o ano passado o Mercosul sinalizou que o acordo deveria ser equipado com um mecanismo para reequilibrar as concessões comerciais negociadas no âmbito do acordo, caso essas concessões sejam suspensas ou anuladas como resultado da legislação interna da UE.

Além disso, pediu que a entidade europeia forneça um total de 12,5 bilhões de euros (R$ 66,5 bilhões) em forma de empréstimos a fundo perdido e diferentes instrumentos europeus, para programas de cooperação. Nas recentes discussões, não se falou em cifras, e sim em pacote geral, mas o tema é inevitável. A facilitação para integração de cadeias produtivas dos dois lados continua nas discussões, buscando dar impulso a produtos verdes, incluindo aço verde e outros.

Negociadores do Mercosul e da UE, já escaldados pelos repetitivos fiascos, mostram-se agora especialmente prudentes. Mas nem isso impediu a reação do agronegócio europeu às negociações.

Milho do Brasil inquieta produtores europeus

A Copa-Cogeca (voz dos agricultores e suas cooperativas na UE), a Associação de Processadores de Aves e Comércio de Aves nos países da UE, a Associação Europeia de Fabricantes de Açúcar, a Confederação Europeia de Produção de Milho, a Confederação Internacional dos Produtores de Beterraba da Europa, e a União Europeia de Atacado de Ovos, Produtos de Ovos, Aves e Caça manifestaram, juntas, “sérias preocupações com a ‘retomada das negociações’ de 7 a 9 deste mês em Brasília”.

Essas associações, reunindo milhões de produtores, reagiram pedindo às autoridades europeias “ação urgente para proteger o agronegócio europeu.” Reclamam que, mesmo com um instrumento adicional de sustentabilidade no acordo, “cujos detalhes continuam vagos, é claro que os países do Mercosul não estão em posição de adotar padrões similares impostos aos agricultores europeus”.

Elas afirmam que não podem aceitar um acordo “que penaliza os produtores europeus que respeitam esses padrões, enquanto importações são autorizadas de países que não enfrentam as mesmas exigências”. E repetem queixas de que o acordo UE-Mercosul “ameaça promover comércio em produtos associados com degradação ambiental e perda de biodiversidade no Mercosul, particularmente no Brasil”, insistindo que “devemos considerar as implicações para o bem-estar animal.”

Enquanto a questão geopolítica se impõe cada vez mais a favor do acordo, os agricultores europeus reclamam que já sofreram com a invasão da Ucrânia, que provocou uma alta enorme de importação de produtos ucranianos e maior custo de energia e de fertilizantes. Um acordo UE-Mercosul exacerbaria as desvantagens competitivas europeias, segundo eles.

As associações de produtores avisam que um acordo com o Mercosul poderá reativar “protestos de agricultores através da Europa”, especialmente envolvendo produtos sensíveis (açúcar, frango, carne bovina e outros) que consideram vitais para a agricultura local. O acordo enviaria uma “mensagem terrível” ao setor agrícola justamente no começo do segundo mandato de Ursula von der Leyen na presidência da Comissão Europeia, o braço executivo da UE.

Uma das questões é justamente se Von der Leyen usará seu capital político para levar o acordo à frente. Apesar do peso do presidente francês Emmanuel Macron no continente ter caído consideravelmente, após derrota em recente eleição no país, ele continua a complicar a negociação. Na semana passada, em Berlim, ele disse ser “a favor de qualquer acordo que seja justo”. Indagado se o acordo com o Mercosul era justo, respondeu: “Não”.

O novo e já combalido primeiro-ministro francês, Michel Barnier, também já excluiu a possibilidade de anúncio de conclusão das negociações em novembro, à margem do encontro do G20 no Rio de Janeiro. Aparentemente, os franceses buscam uma “minoria de bloqueio” ao acordo, se a Comissão Europeia tentar ir adiante no fechamento do pacote.

Já o chefe de governo alemão, Olaf Scholz, defende a conclusão rápida da negociação com o Mercosul. Ele reiterou apoio da Alemanha ao “splitting” da negociação – a parte comercial do acordo entraria em vigor provisoriamente sem necessidade de ser ratificado pelos mais de 30 parlamentos nacionais e regionais dos Estados membros.

O uso do “splitting”, na prática, sinaliza que todos os acordos comerciais que a UE negociar vão ser divididos, sem exceção, para poder entrar em vigor. Esse mecanismo é fundamental para que a parte comercial do negociado não seja bloqueada por alguns dos parlamentos nacionais e regionais. Os movimentos contra a liberalização são cada vez mais fortes na Europa e nos Estados Unidos, que subiram a régua de barreiras protecionistas, no contexto de poder de uma Organização Mundial do Comércio (OMC) cada vez mais inócua.

De todo modo, um acordo UE-Mercosul precisaria ser submetido ao Conselho Europeu, que define as orientações e prioridades políticas do bloco formado por 27 países membros.

Enquanto isso, a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), da qual faz parte juntamente com a Noruega, Islândia e Liechtenstein, até tentou concluir seu próprio acordo com o Mercosul rapidamente, sem esperar a conclusão do entendimento UE-Mercosul.

No entanto, a avaliação no Mercosul foi de que a negociação com a UE consome tanto tempo que não dá para fazer muito com outras negociações ao mesmo tempo – ainda mais que há muita negociação dentro do próprio Mercosul. Assim, a conclusão foi de que o mais razoável seria concluir primeiro a negociação mais complexa, com a UE, e também porque inclui idênticas questões ambientais, por exemplo.

De toda maneira, anunciar conclusão de negociação em dezembro é apenas um passo. Depois será preciso um bom tempo para revisão e tradução dos complexos textos jurídicos, além de passar pelo Conselho Europeu, de forma que entraria em vigor mesmo só dentro de alguns anos para reduzir ou eliminar tarifas e proporcionar maior aproximação entre os dois blocos.

Por Val-André Mutran – de Brasília

1 comentário em “Sob ameaça de protestos de agricultores europeus, acordo do Mercosul com União Europeia avança

  1. Davidson Dantas Responder

    SE EU FOSSE O LULA; IGNORARIA A UNIÃO EUROPEIA, DEIXAVA ELES CORREREM ATRÁS DE NÓS E PONTO FINAL.

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