Após a montadora japonesa Toyota anunciar investimentos bilionários no Brasil, Carlos Tavares, presidente mundial da Stellantis, conglomerado industrial criado há três anos a partir da fusão de Fiat, Chrysler, Jeep, Peugeot, Citroën, entre outras, anunciou o maior investimento da história do setor na América Latina, no Brasi
Trata-se do maior entre todos os programas de investimentos que as montadoras têm, seguidamente, anunciado nas últimas semanas. Com o da Stellantis, o total anunciado pelas montadoras de veículos leves (automóveis e comerciais) no Brasil para a década atual já chega a R$ 87,8 bilhõe
Desse total, R$ 67,2 bilhões representam a soma de planos anunciados há menos de três meses e a Stellantis será responsável por R$ 30 bilhões do total até 2030.
A estratégia das empresas varia conforme a maturidade que cada uma já tem conquistado no mercado, mas, uma conclusão é definitiva segundo Carlos Tavares: “Se vender apenas carros 100% elétricos em todo o mundo, a indústria automobilística perderá a maior parte da sua clientela, formada pela classe média”. Por isso, para não perder de vista as metas de descarbonização, ele tem buscado meios de oferecer um tipo de eletrificação mais acessível a esse público. No Brasil, a possibilidade de usar o etanol em carros híbridos foi o que levou a montadora a decidir investir R$ 30 bilhões no país nos próximos cinco anos. Serão 40 novos lançamentos no período (veja no final da reportagem).
A estratégia da Stellantis não difere muito de Toyota e CAOA Chery, que já definiram claramente que seus novos investimentos serão aplicados no desenvolvimento de carros híbridos a etanol. General Motors, Renault, Nissan e Hyundai tendem a ir no mesmo sentido, que Tavares apontou como “uma solução inteligente”.
O executivo lembra que hoje produzir um carro totalmente elétrico custa entre 30% e 40% mais. “Se repassarmos esse custo a classe média vai nos dizer: não posso comprar”, afirma. “Se ignorar o custo, a reestruturação de uma empresa que emprega 260 mil pessoas no mundo representaria um desastre social”, completa.
Daí, afirma Tavares, a necessidade de buscar soluções regionais. “Só nos resta encontrar soluções inteligentes como o carro flex que já existe no Brasil”, afirma. A tecnologia flex, que permite o uso de etanol ou gasolina, incorporada à eletrificação que o carro híbrido oferece, ajuda a promover a descarbonização a preços mais acessíveis.
“Estamos a assistir a fragmentação do mundo, o que não é uma boa solução para a humanidade; mas essa é outra discussão”, afirma o executivo português que está no comando da Stellantis desde que a empresa foi criada e que antes disso, na presidência de Peugeot e Citroën, já havia se tornado uma das celebridades da indústria automobilística mais respeitadas do mundo.
Ele lembra que enquanto europeus já demonstraram interesse por elétricos, os americanos ainda hesitam. Já no Brasil existe o potencial do etanol. E os africanos? “Como encontrar uma tecnologia segura, limpa e acessível para os africanos sem partir para biocombustíveis que possam comprometer a oferta de alimentos?”, questiona.
Segundo o executivo, os preços dos carros elétricos poderiam se equiparar aos modelos à combustão já entre 2026 e 2027. Mas ele teme que a regionalização do mundo comprometa a necessária escala para que isso aconteça.
Diagnóstico
Tavares lembra o que aconteceu recentemente na Europa, quando alguns governos, como o alemão, retiraram subsídios que chegavam a R€ 7 mil euros (R$ 37.715,52, na cotação desta quinta-feira, 7) para o consumidor que trocasse o automóvel por um 100% elétrico. “A classe média desapareceu”. A América Latina é, para nós, hoje, uma região estável”, reforçou Carlos Tavares.
“A mensagem do consumidor foi: teremos carro elétrico sem problemas, mas precisamos dos subsídios. Sem subsídio não há volume e sem volume não há escala e sem escala não podemos reduzir os preços. E se não houver volume não haverá impacto ambiental. É uma máquina encravada.” O executivo lembra que os países estão endividados, com altas taxas de juros e ninguém quer ouvir falar em aumento de impostos.
Mas de que adiantará um híbrido que aceita etanol se o consumidor preferir a gasolina? Tavares diz que a Stellantis já oferece carros que funcionam só com etanol. “Mas somos apenas um dos atores para que isso funcione”. Ele sugere uma participação maior do governo para promover o biocombustível.
A Argentina também receberá investimentos da Stellantis. Aparentemente, a direção da empresa não pretendia revelar o valor na quarta-feira, na entrevista que concedeu em Brasília logo após encontro com o governo. Mas diante da insistência dos jornalistas para saber o nível de interesse em manter o ritmo de atividades no país vizinho, o presidente da Stellantis na América Latina, Emanuele Cappellano, revelou que também a Argentina receberá, em breve, investimento equivalente a R$ 2 bilhões.
Segundo Cappellano, até 2030, a renovação de produtos e lançamento de novos carros das marcas da Stellantis no Brasil vai somar 40 modelos. Desse total, 20% serão 100% elétricos.
Tavares veio ao Brasil para pessoalmente anunciar o novo investimento ao governo. Tanto durante a reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice, Geraldo Alckmin, como depois, na conversa com os jornalistas, o executivo enalteceu o programa Mover, que oferece incentivos fiscais federais à indústria automotiva em troca de compromissos em pesquisa, inovação e redução de emissões.
“É um programa extremamente inteligente que se torna um dos pontos de força para o país que tem feito reformas estruturais e programas para a indústria”, afirmou.
“A América Latina é, para nós, hoje, uma região estável”, destacou Tavares ao referir-se aos motivos que levaram a companhia a anunciar o robusto investimento. O ciclo anterior, que somou os programas das marcas que compõem a Stellantis no país, totalizou R$ 16 bilhões para o período entre 2018 e 2025.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.