Brasília – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, decidiu retomar, na sessão desta quarta-feira (6), o julgamento sobre a descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas, como a maconha, para uso pessoal. A reação dos senadores foi imediata: o projeto de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que vai em sentido contrário ao julgamento do judiciário, aumentando a punição para esse tipo de delito, irá à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Está aberto, portanto, um novo capítulo do embate entre Legislativo e Judiciário. A reação do Senado ao julgamento será de priorizar a votação de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte de qualquer quantidade de drogas.
O relator da matéria, senador Efraim Filho (União-PB), é de opinião que projeto seja aprovado na CCJ e siga para o plenário da Casa no mesmo dia. Com um discurso comum aos parlamentares nos últimos anos, ele afirma que é papel do Congresso uma definição sobre o assunto.
“A competência para legislar sobre o tema é do Poder Legislativo e, por diversas oportunidades, nos últimos anos, o parlamento votou a favor de manter a atual legislação”, disse. Para o senador, não houve omissão ou inércia do Congresso que justifique o que chamou de “ativismo judicial” por parte dos tribunais.
Pela norma em vigor, aprovada pelo Congresso em 2006, o porte de drogas para uso pessoal é considerado crime, mas não leva à prisão. Entre as penas aplicadas, estão a prestação de serviços à comunidade e o cumprimento de medidas socioeducativas por até dez meses.
Já a proposta de Rodrigo Pacheco reafirma a posição do Legislativo e acrescenta um inciso ao artigo 5.º da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais, criminalizando a posse e o porte de qualquer quantidade de entorpecentes e drogas sem autorização para tal.
A expectativa do Efraim Filho era votar a proposta na CCJ também na quarta – dia do retorno do julgamento no Supremo. No entanto, a PEC não está na pauta do colegiado até o momento e não há uma definição se será incluída pelo presidente da comissão, senador Davi Alcolumbre (União-AP). O relator acredita que a análise da proposta ficará para a reunião da próxima semana, no dia 13 de março.
Falta apenas um voto para o STF formar maioria pela liberação do porte de droga para consumo próprio. Os ministros ainda precisam definir critérios específicos, como a quantidade de maconha que diferenciará o usuário do traficante de drogas. Esse é considerado “um ponto que afronta o Legislativo”, segundo um senador da bancada evangélica, que votará em peso para aumentar a punição ao porte de drogas.
O Supremo discute o assunto desde 2015, quando três dos 11 ministros votaram pela descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, mantendo como crime a comercialização desse e de outros entorpecentes.
PEC é reação ao julgamento sobre drogas no STF
A PEC das Drogas, como o texto de autoria do presidente do Senado vem sendo chamado, foi apresentada em setembro do ano passado, após o julgamento no STF chegar a cinco votos pela liberação do porte de maconha para consumo pessoal. A análise na Corte foi paralisada no fim de agosto por um pedido de vista do ministro André Mendonça.
Pacheco afirmou em diversas ocasiões que decisões da Corte não podem criar uma nova legislação e considerou pautas que foram discutidas pelo STF – entre elas, a própria descriminalização do porte de drogas para uso pessoal – um “equívoco grave” e “uma invasão da competência do Poder Legislativo”.
“A lei quem tem que criar somos nós. Não pode o Supremo Tribunal Federal dizer que 20 gramas de maconha é ilícito ou lícito. A lei não diz isso,” reclamou, em 2023.
Outros casos
Dois casos anteriores de suposta interferência do STF nas prerrogativas do Legislativo foram o Piso Nacional da Enfermagem e o Marco Temporal de Terras Indígenas.
O presidente do Senado considera “invasão de competência” a discussão sobre o piso nacional da enfermagem. Em 2022, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu a lei que determinava o valor nacional. No fim do ano passado, a Corte decidiu que a implementação do piso deve ocorrer de forma regionalizada, por negociação coletiva.
Em outro caso recente de embate entre os dois Poderes, a estratégia adotada pelos senadores também foi de pautar o assunto que a Corte estava julgando.
Em 27 de setembro de 2023, no mesmo dia em que o STF fixou a tese de repercussão geral rejeitando o marco temporal de 1988 para definir a ocupação de terras por comunidades indígenas, o Senado aprovou um projeto de lei que dizia o contrário. Uma semana antes, no dia 21, o STF já havia decidido que a tese era inconstitucional.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o principal trecho da lei aprovada, se ancorando na decisão do Supremo. O Congresso derrubou o veto.
O julgamento do marco temporal no STF foi o estopim para uma crise entre os Poderes. Pacheco passou a defender publicamente a definição de mandatos com prazo fixo para os integrantes da Corte. Hoje, não há um período determinado para permanência no Supremo e os ministros se aposentam compulsoriamente aos 75 anos.
O Senado também aprovou uma PEC que limita as decisões monocráticas dos magistrados em novembro do ano passado. Por 52 votos a 18, a Casa estabeleceu que os ministros ficam impedidos de suspender, por meio de decisões individuais, a vigência de leis aprovadas pelo Legislativo. Ou seja, pelo menos seis dos onze ministros precisarão votar juntos para suspender as leis criadas pelo Congresso, caso a PEC, que agora tramita na Câmara e também trata de mudanças nos pedidos de vista, se torne lei.
Em outra frente para “frear” a atuação dos ministros, a Câmara começou a discutir uma proposta que autoriza o Legislativo a anular decisões definitivas do STF, que, na avaliação dos deputados e senadores, “extrapolem os limites constitucionais”.
Descriminalização do aborto mobiliza outra frente de reação no Congresso
O julgamento envolvendo a descriminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gestação é outro tema que, por mobilizar a opinião pública e provocar discordância entre setores conservadores e progressistas, resultou em um “contra-ataque” do Congresso.
Em reação ao julgamento iniciado por Rosa Weber, dez dias antes da ministra se aposentar, a bancada conservadora da Câmara articulou a votação de um projeto que impede a interrupção da gravidez e estabelece “personalidade civil” ao feto.
No STF, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 442 pede que o aborto seja permitido em quaisquer circunstâncias até a 12ª semana de gestação, mesmo modelo adotado na Alemanha. Segundo o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, o assunto “ainda precisa de mais debate na sociedade” e, por isso, o julgamento não tem data para ocorrer.
Desde que assumiu o comando do Supremo, em setembro, o ministro tem um discurso baseado em desarmar ânimos e pacificar a relação institucional. “Pretendo dialogar com o Congresso de uma forma respeitosa e institucional, como deve ser. Sinceramente, eu diria que não há crise. O que existe, como em qualquer democracia, é a necessidade de relações institucionais fundadas no diálogo,” afirmou após assumir o cargo, no ano passado.
Por Val-André Mutran – de Brasília