Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (25), o julgamento de um recurso contra uma ação de reintegração de posse movida pelo Estado de Santa Catarina contra indígenas da etnia Xokleng. O futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil pode ser decidido neste julgamento, e Organizações indígenas e lideranças iniciaram desde o último domingo (22), a mobilização nacional ‘Luta Pela Vida’ em Brasília.
Vindos de todos os locais do Brasil, os indígenas ficarão acampados até o dia 28 para chamar atenção do que chamam de “agenda anti-indígena” que está em curso no Congresso Nacional e pelo Governo Federal.
Procurador-geral do Estado de Santa Catarina, Alisson de Bom de Souza, que defende o Instituto do Meio Ambiente, afirma que o caso pode ter consequências imprevisíveis. “Com a repercussão geral, ele tem o potencial de firmar uma tese que pode passar a valer para todas as discussões existentes no Brasil a respeito dos direitos territoriais indígenas.” O resultado pode afetar o direito de propriedade em todo o território nacional.
Segundo o procurador, Santa Catarina tem defendido uma “interpretação harmonizadora” do Artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas por indígenas e obriga a União a demarca-las.
A decisão do colegiado do Supremo é aguardada não apenas porque vai por fim ao processo catarinense, mas principalmente porque o STF definiu o caso como de repercussão geral. Significa que o resultado terá efeito vinculante e criará uma jurisprudência que poderá ser aplicada a casos semelhantes em todo o território nacional.
A pergunta central é: “Qual é a interpretação do Artigo 231 da Constituição Federal? Existe a teoria do marco temporal, reconhecida pelo STF na ocasião do julgamento sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol.”
A AGU definiu que só podem ser consideradas terras indígenas aquelas ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, além de proibir a expansão de áreas demarcadas. Essa interpretação passou a ser chamada de “marco temporal”.
Em 2020, o ministro Edson Fachin suspendeu a eficácia do parecer até que o recurso extraordinário de Santa Catarina seja julgado. “Sabemos que essas questões são processos complexos, de múltiplos interesses e interessados”, diz o procurador. “O Estado de Santa Catarina busca proteger os indígenas na medida da interpretação constitucional.”
“Não podemos nos calar diante desse cenário violento. Não é apenas o vírus da Covid-19 que está matando nossos povos e por isso decidimos mais uma vez ir até Brasília para seguir lutando pela vida dos povos indígenas, da mãe terra e da humanidade”, enfatiza Sonia Guajajara, uma das coordenadoras executivas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
No decorrer da semana estão planejadas diversas atividades como plenárias, agendas políticas em órgãos do governo, e embaixadas, marchas, manifestações públicas e manifestações culturais.
O Acampamento Luta Pela Vida convocou indígenas que já estejam vacinados e seguirá os protocolos sanitários contra a Covid-19. Também haverá uma equipe de saúde, com profissionais indígenas de parceria no local.
Projeto tenta solucionar conflitos agrários envolvendo indígenas
O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) apresentou o projeto de lei nº 2.922/2021 que tem por objetivo garantir segurança jurídica no campo e proteger os direitos de indígenas e proprietários rurais. A proposta fixa critérios claros e objetivos para o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. Tendo por base a jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PET 3.388/RR), o projeto do senador regulamenta o art. 231 da Constituição Federal. A medida pretende solucionar os conflitos agrários envolvendo índios e produtores rurais.
Em 2013, o STF estabeleceu fundamentos jurídicos e salvaguardas institucionais que se somaram a decisão do marco temporal de 5 de outubro de 1988 para verificação da existência da comunidade indígena, bem como da efetiva e formal ocupação fundiária pelos índios. “Apesar da decisão do Supremo, o debate tem novamente se tornado central, com a tentativa de alguns de modificação do entendimento consolidado e consequente desestabilização da segurança jurídica que tanto se anseia no campo”, comentou o senador Zequinha Marinho, que justifica “a necessidade de uma consolidação, por parte do Poder Legislativo, do tema, com a fixação de critérios, os quais foram amplamente e profundamente discutidos pelo STF e, inclusive, incorporados pela Administração Pública”.
A incorporação a qual o senador Zequinha se refere está presente no Parecer nº GMF-05, da Controladoria-Geral da União (CGU). No documento, a CGU, ao analisar os conflitos presentes na Raposa Serra do Sol, argumenta que “era de se esperar, tendo em vista o conturbado histórico de quase três décadas de infindáveis conflitos em torno da terra indígena, um complicado contexto social e político que tornou premente e necessária a construção interpretativa, a partir do texto constitucional das dezenove salvaguardas institucionais às terras indígenas, no intuito de definir um quadro normativo constitucional que pudesse oferecer segurança jurídica aos processos de demarcação das terras e, assim, efetivar os direitos fundamentais dos índios”.
Dentre as 19 salvaguardas, o STF decidiu, por exemplo, que o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional. Além disso, determinou-se que o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas.
O conjunto de salvaguardas ainda dispõe que é vedado a ampliação da terra indígena já demarcada e que é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.
Lembrando que é necessário o legislador enfrentar o problema envolvendo os conflitos agrários no Brasil, o senador Zequinha explicou que seu projeto transforma em lei o que já foi decidido pelo STF. “Espera-se, assim, que se garanta processos de demarcação justos a todos os impactados, bem como se retorne ao estado de paz social que a PET nº 3388/RR tanto buscou trazer. Com isso, garante-se a proteção aos direitos indígenas assegurados pela Constituição, bem como os direitos de proprietários rurais que depositam sua subsistência na terra, sobretudo seu direito à propriedade”, defende o senador Zequinha.
Outro projeto está no radar dos indígenas. O Projeto de Lei 490, de 2007, que, além de determinar um marco temporal, passa para o Congresso o poder de decisão sobre a demarcação de terras indígenas.
O texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e precisa ser votado em plenário.
O assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Marcos Sabaru, critica a abrangência do julgamento desta quarta no STF. Para ele, é inconstitucional condicionar situações tão distintas entre os povos indígenas em todo o Brasil a uma situação específica que ocorre em um estado.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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