TCU vai investigar Comissão de Valores Mobiliários após escândalo bilionário nas Americanas

Se empresa quebrar, 100 mil funcionários perderão seus empregos
Comissão de Valores Mobiliários - Ed. Corporate Financial Center - Brasília DF

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Brasília – O horizonte começa a descortinar o que será uma das maiores batalhas judiciais da história do mercado varejista e de capitais no país. Uma semana após a bombástica revelação de inconsistências fiscais que podem superar os R$ 20 bilhões, o destino da gigante varejista Americanas ainda é incerto. Se quebrar, pulveriza 100 mil empregos diretos que trabalham na rede.

O Ministério Público Federal junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) pediu uma fiscalização da Corte para investigar se houve omissão na fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a Americanas. O site Poder 360 teve acesso ao documento com o pedido feito nesta terça-feira (17), pelo subprocurador-geral do MPTCU, Lucas Rocha Furtado.

Furtado disse que houve um possível esquema de fraude na empresa. Ele se baseou em informações do processo do banco de investimentos BTG Pactual contra a Americanas.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) de plantão no último domingo (15), Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho, negou agravo de instrumento interposto pelo banco contra o Grupo Americanas.

A instituição pedia a suspensão da liminar de sexta-feira (13), que concedeu o pedido da Americanas S/A para que qualquer bloqueio ou arresto de bens e o pagamento de dívidas não fossem aplicados até que o plano de recuperação judicial fosse apresentado, após a revelação do rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço.

Na decisão, o desembargador ressalta que o magistrado de plantão deve analisar e decidir questões urgentes e excepcionais, sem invadir a competência do juiz natural do caso. A ação corre na 4ª Vara Empresarial da Capital fluminense.

“No caso, a decisão agravada, concessiva da tutela cautelar […] e a própria data constante do decisum, sem que as partes e interessados tenham ciência formal de seu teor, dando-se o Banco BTG Pactual S.A. como intimado ao manejar este recurso, sequer havendo nos autos a mera prática de ato ordinatório pela serventia de primeira instância, por se tratar de um final de semana, em que sabidamente inexiste expediente forense regular,” diz trecho da sentença.

Ao analisar a competência do Plantão Judiciário para julgar a petição, o desembargador Luiz Roldão destaca que não há medidas urgentes a serem concedidas.

“Todavia, a medida aqui pleiteada pode ser perfeitamente realizada no horário normal de expediente forense, já que, ao menos no âmbito deste plantão judiciário, inexiste situação de demora que possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação ao recorrente”, avaliou. O processo é o de nº 0006035-65.2023.8.19.0001.

Na petição, o banco tentou fazer bloqueios de aplicações da empresa no valor de R$ 1,2 bilhão, mas a decisão de tutela cautelar do TJ-RJ barrou a execução de obrigações financeiras da companhia. A instituição financeira recorreu, mas o tribunal negou o pedido.

Com crédito no valor total de R$ 1,8 bilhão em carteira, o banco de investimentos quer receber o dinheiro e ingressou com nova ação de cobrança no TJ-RJ. A desembargadora Leila Santos Lopes, da 15ª Câmara Cível do TJ-RJ, também rejeitou o recurso feito pelo BTG Pactual contra a Americanas.

“Ademais, também não se verifica maior prejuízo ao banco credor, haja vista o seu notório patrimônio líquido de mais de R$ 42 bilhões (índice 10 da peça inicial do recurso), com valor de mercado próximo aos R$ 18 bilhões sendo certo que os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial podem ser antecipados e modulados de modo a preservar os interesses dos requerentes e, por conseguinte, do quadro geral de seus credores,” diz trecho da decisão da desembargadora.

Na peça judicial impetrada pelo banco, os advogados chamaram o rombo bilionário descoberto na Americanas de “maior fraude corporativa na história do país”.

Fachada de uma unidade da Americanas

O que dizem Americanas e BTG

O BTG Pactual afirma que não irá comentar a petição. Em nota, a Americanas diz que a medida cautelar “visa somente a sustentação jurídica necessária para que tanto a Americanas como os credores possam chegar a um possível acordo”. Afirma ainda que a suspensão da medida “poderia gerar assimetria entre os seus credores, inclusive bancos, e não ajudaria no processo”.

Na semana passada, a varejista divulgou um comunicado ao mercado informando inconsistências em lançamentos contábeis de cerca de R$ 20 bilhões. O executivo Sergio Rial pediu demissão do cargo de CEO da companhia, assim como André Covre, diretor de Relações com Investidores.

Segundo o balanço financeiro mais recente da Americanas, correspondente ao 3º trimestre de 2022, a empresa tinha 3.601 lojas em mais de 900 cidades, fora a operação de e-commerce, uma das maiores do Brasil. Eram 40.000 funcionários e 53 milhões de clientes ativos, não sendo informado quantos funcionários operavam o e-commerce da empresa. A decisão da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro disse que a companhia é responsável pela criação de 100 mil empregos diretos e indiretos e recolhimento anual de R$ 2 bilhões em tributos.

Entre as determinações listadas na decisão do juiz Paulo Assed, da 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, há, também: 

  • “A suspensão da exigibilidade de todas as obrigações relativas aos instrumentos financeiros” da empresa firmadas com instituições previamente listadas pela Americanas;
  • “A suspensão de qualquer arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens”, e de efeitos de inadimplência;
  • o sobrestamento de cláusulas que imponham vencimento antecipado das dívidas da loja; e
  • a preservação de contratos da loja, inclusive de crédito.

A CVM determina que haja um auditor independente para os balanços. Desde outubro de 2019, a PwC Brasil passou a ter essa função, em substituição à KPMG. A empresa aprovou os balanços da Americanas sem ressalvas em 2021. O site Poder360 entrou em contato com a PwC, que afirmou não falar sobre casos de clientes. 

Decisões iniciais

Ainda na sexta-feira (13), o juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª vara empresarial do Rio, concedeu uma medida de tutela de urgência cautelar, dando 30 dias para que a Americanas decida se vai pedir recuperação judicial. No despacho, ele informa que a empresa alega risco de seus credores pedirem o vencimento antecipado de R$ 40 bilhões em dívidas. Para evitar a quebra da empresa, o juiz suspendeu essa possibilidade por 30 dias.

No entanto, o BTG Pactual já havia bloqueado R$ 1,2 bilhão da empresa que estava no banco. A decisão judicial determina que o valor seja devolvido à empresa, o que acabou acontecendo, enfurecendo o banco, que então recorreu na Justiça contra a liminar que protegia a Americanas dos credores.

A petição foi feita pelo banco no fim de semana. O juiz de plantão disse que não tomaria uma decisão sobre o assunto. O caso foi analisado essa semana e o banco teve o seu pedido negado novamente na justiça.

Defesa do consumidor

O Ministério da Justiça irá notificar a varejista para repassar informações sobre os possíveis impactos aos consumidores. A Americanas foi notificada nesta terça-feira (17), pela Secretaria de Defesa ao Consumidor, chefiada pelo ex-deputado Wadih Damous (PT).

TCU

O subprocurador-geral do MPTCU, Lucas Rocha Furtado, diz que o BTG Pactual acusou acionistas majoritários da Americanas de atuarem de má-fé. O banco disse que os “três homens mais ricos do Brasil” ungidos como “uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’ são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio”.

O trecho é uma referência aos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, donos da 3G Capital, acionistas de referência da Americanas com 30% de seu capital.

Furtado disse que a CVM tem como princípio básico defender os interesses do investidor, especialmente o acionista minoritário. O valor de mercado da Americanas caiu para R$ 1,75 bilhão na segunda-feira (16), depois de três dias de pregão. Era avaliada em R$ 10,83 bilhões antes do anúncio de inconsistências fiscais.

O subprocurador também pede para investigar se houve suposta omissão na fiscalização da CVM. Caso fique comprovado, ele defendeu a adoção de medidas para sanar as irregularidades “sem prejuízo de imputação de responsabilidade aos agentes envolvidos”.

CVM

A Comissão de Valores Mobiliários abriu dois processos administrativos para analisar as inconsistências contábeis relacionadas ao caso Lojas Americanas. Os procedimentos são iniciais e, a depender das primeiras conclusões, podem ou não ter um processo sancionado como resultado. Se o regulador entender que são necessárias investigações mais aprofundadas, pode abrir um inquérito administrativo.

De acordo com informações do site da CVM, o processo administrativo nº 19957.000413/2023-18 refere-se à análise de informações contábeis, e o nº 19957.000415/2023-15 envolve notícias, fatos relevantes e comunicados. Ambos foram abertos pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP). Há também um terceiro processo, o de nº 19957.000425/2023-42.

Por Val-André Mutran – de Brasília