O juiz Jorge Ferraz de Oliveira Junior, da 5ª Vara Federal Cível, marcou para a próxima terça-feira (10) uma audiência de conciliação, para que a Superintendência do Sistema Penal do Pará (Susipe) e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça, tentem entrar num acordo com o Ministério Público Federal em processo interposto pelo MPF, que pede apuração das denúncias de prática de tortura contra os presos do Complexo de Americano, no município de Santa Izabel.
A audiência está marcada para as 15h30, na sede da Justiça Federal, em Belém. “Intimem-se as partes, bem como o presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Pará (ou outra autoridade que possa exercer a representação do órgão) e a OAB, pelo seu presidente ou pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos, por mandado, para que compareçam à audiência designada neste ato”, determina o juiz, em decisão assinada nesta quarta-feira (5).
No despacho, o magistrado considera que o MPF “não requer que seja garantido o seu imediato ingresso no presídio, na companhia de médicos, para verificação de atos de tortura, a impossibilitar a oitiva da parte ré antes da prolação de decisão, com vistas a evitar que o tempo faça desaparecer vestígios de crime eventualmente cometidos”. Jorge Ferraz ainda avalia que “há significativa probabilidade de realização de acordo” em relação aos pedidos feitos pelo Ministério Público Federal.
Em ação civil coletiva ajuizada no dia 30 de agosto, com a assinatura de 17 procuradores da República, o MPF pede que a apuração seja feita com base no Protocolo Brasileiro de Perícia Forense e ainda com base no Protocolo de Istambul, que se consiste num manual para a investigação e documentação eficaz da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
À Justiça, os procuradores requereram concessão de tutela de urgência para que os advogados e integrantes do Conselho Penitenciário do Estado (Copen) “tenham livre acesso, livre trânsito e entrevista pessoal e reservada com presos do complexo de Americano, sem oitiva por agentes públicos, independente de autorização, permissão, licença, procuração, prévio agendamento ou qualquer outro obstáculo criado por agentes públicos, ainda que considerados presos incomunicáveis”. A visita imediata aos presos pelos familiares ou outras pessoas autorizadas também é solicitada na ação.
O que dizem os presos
Num processo com 88 páginas, os procuradores da República anexam imagens e relatos de presos colocados em liberdade em agosto passado, bem como de familiares, que denunciam abusos, humilhações e tortura que estariam acontecendo no Complexo de Americano desde a intervenção federal no dia 5 de agosto, pela Força-Tarefa (FTIP) enviada ao Pará pelo Ministério da Justiça, a pedido do governo do Estado.
Segundo as denúncias, os presos “estão apanhando e sendo atingidos por balas de borracha e spray de pimenta, de modo constante, frequente e injustificado”. Também não estariam sendo alimentados “ou são alimentados em quantidade e qualidade aquém da mínima essencial”, sofrem privação de água, não estão recebendo qualquer assistência à saúde e sofrem com falta de medicamentos, inclusive os presos com deficiência, HIV e tuberculose.
No processo, consta também que os presos estão em locais sem condições mínimas de salubridade e higiene, “com ratos, superlotação em nível de desmaio e sufocamento, dormindo no chão” e que foram privados ou recebem quantidade insuficiente de materiais de higiene pessoal. Além disso, “são obrigados a ficar pelados ou somente de cueca, descalços, molhados, e alguns não podendo sair do lugar sob pena de violência, sujos pelas necessidades fisiológicas”.
Na ação, os procuradores deixam claro que imagens do interior das celas foram feitas por celulares. “O MPF deixa de apresentar, na presente petição, vídeos e fotos sobre as condições degradantes nas celas, pois decorrentes de telefones celulares dentro de unidade prisional de regime fechado, o que é vedado pela legislação”.
Vistorias
Em reunião na Assembleia Legislativa, para informar e esclarecer sobre as ações da FTIP no Complexo de Americano, o coordenador da Força-Tarefa, Maycon Rottava, explicou que a proibição de visita consta na portaria do Ministério da Justiça que trata da intervenção e que esse procedimento é adotado em todos os Estados onde a FTIP atua.
Na ocasião, indagado pelo Blog do Zé Dudu sobre as denúncias de tortura, Rottava assegurou: “O crime está jogando, para pessoas (presos) se automutilarem, para parar nossa atuação”. E disse que é fake um vídeo espalhado nas redes sociais, que mostra presos sendo humilhados e maltratados.
No dia 20 de agosto, uma carta assinada por 109 presos do Centro de Recuperação Coronel Anastácio das Neves, que fica no complexo, desmentiu as denúncias e afirmou que o controle pelos agentes federais tem sido feito “de forma pacífica”.
No dia seguinte à divulgação da carta, quatro promotores de Justiça e o juiz da Vara de Execuções Penais de Belém, Deomar Barroso, vistoriaram por quase seis horas o Complexo de Americano e reconheceram avanços no trabalho da Força-Tarefa. Sete dias depois, uma nova vistoria foi feita no local pela Promotoria de Justiça juntamente com advogados e defensores públicos.
Atendimento médico
Nesta quarta-feira (4), a Assessoria de Comunicação (Ascom) do Governo do Estado postou uma nota informando que desde a última terça-feira (3) os serviços de saúde e atendimento técnico-jurídico estão sendo intensificados no Complexo de Americano, como parte da Operação Opus 2.
O atendimento irá até amanhã (6) e somente ontem, diz a nota, foram realizados 304 atendimentos nas áreas de psicologia, serviço social e enfermagem, além de 481 atendimentos jurídicos. A Operação Opus tem o apoio da FTIP, Depen, Receita Federal, Polícia Civil, Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), Defensoria Pública e OAB-PA.
Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém
Fotos: Assessoria de Comunicação/MPPA