Acontece na próxima segunda-feira (29), no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o julgamento do Agravo de Instrumento interposto por quatro associações indígenas, reivindicando justiça gratuita; realização de Estudo de Componente Indígena (ECI), garantida consulta prévia livre; suspensão do Licenciamento Ambiental e das atividades minerárias do empreendimento S11D; e pagamento de compensação financeira aos indígenas da etnia Xikrin, até a realização do ECI.
A origem do processo é a Ação Civil Pública movida em 12 de abril de 2016, pelas associações indígenas Bayprã e Porekro, tendo como alvo a mineradora Vale, a Funai, o Ibama e o BNDES.
A ação se baseia em relatório elaborado por uma equipe da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenada pelo professor-doutor Reginaldo Saboia de Paiva, do Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente, num trabalho que se iniciou em 2018. O documento mostra a apuração das ações de pesquisa sobre as condições de saúde de indivíduos das comunidades da Terra Indígena Xikrin do Cateté, contaminados por metais pesados.
“Por meio das análises químicas e mineralógicas das águas dos corpos hídricos que banham a Terra Indígena, ficou evidente que os cursos dos rios Cateté e Itacaiúnas recebem águas que passam pelas instalações dos empreendimentos Mineração Onça Puma e Projeto Ferro Carajás S11D, respectivamente, por estarem contaminadas dos metais pesados expostos pela atividade minerária que chegam aos rios por meio do escoamento da água da chuva,” informa o documento.
O monitoramento é feito quadrimestralmente e, em relatório de 2019, adverte que as análises realizadas a partir das amostras coletadas no Rio Itacaiúnas, na área do porto da Aldeia Oodjã, mostraram índices de contaminação maiores que do Rio Cateté: “Os resultados demonstraram a presença de um elemento perigosíssimo, em taxas de 4 (quatro) vezes maior que o máximo permitido pela legislação, como é o caso do cádmio, considerado veneno pelos pesquisadores devido o curto espaço de tempo que esse elemento provoca danos ao organismo humano, isto é, bem mais rápido que os outros também encontrados na água do referido rio”.
Ainda conforme o documento, além do cádmio, foram encontrados cobre, com 13 vezes acima do limite permitido; manganês, com quase três vezes acima do limite da legislação; e níquel acima do valor limítrofe. Fora esses metais, foram detectadas outras substâncias nocivas à população de peixes, como cloro, fluoreto e sulfetos.
Isso significa, de acordo com o relatório, que o Itacaiúnas está contaminado e o povo da comunidade indígena da Oodjã está em situação mais perigosa que os que habitam às margens do Rio Cateté, inclusive impossibilitando a sobrevivência do pescado na área contaminada.
“Sabe-se que a aldeia Oodjã se localiza às margens do Rio Itacaiúnas, e que alguns dos indígenas testados também exibem os mesmos problemas ou sintomas dos indivíduos habitantes das aldeias sediadas à margem do Rio Cateté. Segundo análises executadas, o Rio Itacaiúnas se encontra com o mesmo problema do Rio Cateté, inclusive com maior nível de contaminação,” apontam os estudos.
Segundo a advogado José Diogo de Oliveira Lima, que defende os interesses das associações indígenas, a equipe da UFPA tem realizado diligências a uma área denominada Ponto 06, por tratar-se de um canal de dreno da mina do Projeto de Ferro Carajás S11D, e o trabalho tem demonstrado, com clareza, que a montante da área de despejo desse dreno no Rio Itacaiúnas não há ocorrência de contaminação por metais pesados e outras substâncias utilizadas na atividade minerária.
“Porém, no canal de dreno e à jusante se verifica alta taxa de contaminação. Isso explica a contaminação de pessoas por metais pesados na Aldeia Oodjã, pois pensava-se que, pela distância do Rio Cateté, que já há muito tempo apresentava indícios de toxidez, deixava seus habitantes estariam mais seguros,” afirma Diogo.
Ele acrescenta que foi detectada alta taxa de metais pesados na farinha de mandioca e diz que, “necessário se fez saber qual era o grau de contaminação em que se encontravam os organismos dos indivíduos da comunidade Xikrin. Assim, foi dado início às atividades de cadastramento de saúde, coletas de sangue e de folículo capilar, de forma aleatória e amostral entre indivíduos sintomáticos e não sintomáticos”.
Os resultados compõem o relatório parcial de 2020 e mostram que 100% dos indivíduos estão com seus organismos contaminados com ao menos um metal pesado em grau alarmante. Destaca-se o excesso de chumbo, mercúrio, manganês, alumínio e ferro, os quais, em alguns indivíduos, estão em níveis assustadores.
“Deste modo, se pode afirmar que as comunidades indígenas se encontram em estado crítico de sanidade, que necessitam urgentemente de intervenção médica especializada, haja vista que, se nada for realizado para mitigar os níveis de contaminação por metais pesados no organismo do povo Xikrin, os efeitos deletérios irão ser devastadores e irreversíveis, conforme se extrai das bibliografias científicas,” conclui o advogado.
Em seguida, o relatório atesta que, de acordo com a probabilidade estatística mais exigente da comunidade científica, não é demais concluir que pelo 95%, de cerca de 1.500 indígenas, estão padecendo de contaminação por metal pesado. Ressalta ainda que 79,56% dos indivíduos amostrados demonstraram estar com a taxa de leucócito eosinófilo alterada, o que indica que alguma infecção.
Percebe-se também que o número de distúrbios associados é muito grande, com manifestações de comprometimento de órgãos e sistemas ou disfunção diretamente relacionada com a eosinofilia. Embora qualquer órgão possa ser comprometido, coração, pulmão, baço, pele e sistema nervoso são tipicamente atingidos.
“No presente estudo o chumbo, o manganês e o ferro foram encontrados em excesso na farinha de mandioca produzida a partir da água dos rios. Os mesmos metais, assim como o cobre, o cromo e o níquel, foram encontrados na água do Rio Cateté e nos efluentes da empresa Mineração Onça Puma. Salienta-se que, após várias amostragens e análises, não foi encontrado esses metais antes do ponto de influência do referido empreendimento minerário,” observa o relatório.
Em relação aos sintomas entre os indígenas da comunidade Xikrin, foram apuradas cólicas abdominais, problemas renais, cefaleias, dores articulares, tonturas e febres repentinas. “Esses sintomas recorrentes sugerem uma conclusão que a origem é comum. No caso, a toxidez por metais pesados encontrados nos rios utilizados pelos indígenas oriundos da atividade minerária nas proximidades da TI [Terra Indígena] Xikrin do Cateté,” conclui.
A ação é de interesse das seguintes representações indígenas: Associação Indígena Bayprã de Defesa do Povo Xikrin do Ood-já; Associação Indígena Kakarekre de Defesa do Povo Xikrin do Djudjeko; Associação Indígena Porekrô de Defesa do Povo Xikrin do Cateté e Associação Indígena Djore de Defesa do Povo Xikrin do Pokrô.
Manifestação da Vale
Sempre que procurada a respeito do assunto, a mineradora Vale responde que os empreendimentos S11D e Salobo estão regularmente licenciados pelo órgão competente, cumprindo rigorosamente o que determina a legislação ambiental e as condicionantes estabelecidas no processo de licenciamento, além de estarem distantes, respectivamente, mais de 12 km e 22 km da Terra Indígena Xikrin.
“Por meio dos empreendimentos, é assegurado ainda o apoio à conservação de mais de 1,2 milhão de hectares de Floresta Amazônica nativa no entorno das operações e da Terra Indígena.
A Vale, desde 2006, faz repasse de valores a comunidade indígena Xikrin”, que totalizavam, até março de 2019, “aproximadamente R$ 150 milhões. Também fornece assistência à saúde aos indígenas.” afirma, recorrentemente.
Acompanhe o julgamento
O julgamento acontece na segunda feira (29), a partir das 14h, na 6ª Turma do TRF1. Para assistir, acesse o site do Tribunal.