Quando li que 524 mil alunos tinham alcançado o conceito “zero” na redação da prova do Enem e que apenas 250 teriam logrado o grau máximo, logo imaginei, em minha porção otimista, que o tema escolhido teria sido algo escalafobético, despido de critério razoável para uma avaliação que se prestasse ao propósito do Enem.
Quando perguntei a um amigo qual teria sido o tema e ele contou-me, ousei duvidar, perguntei se tinha certeza, e ainda assim fui pesquisar.
De fato o tema escolhido foi o que o amigo havia me passado, “publicidade infantil”, quando me bateu certa dose de desalento, de descrédito no futuro deste país que em um dia distante já foi considerado o “país do futuro”. Neste momento minha porção pessimista reverberou e com certo grau de facticidade e verossimilhança a partir de rápida reflexão.
Nossos jovens, que com a democratização da informática e o espraiamento das comunicações por redes sociais denotam maiores dificuldades com a língua portuguesa, uma língua difícil que em sua versão mais culta pouco a pouco poderá ser rememorada em locais específicos como o museu da língua portuguesa.
Os jovens cada vez estão lendo menos na linguagem culta, fascinados que estão pelo dinamismo que o entretenimento da “era digital” lhes proporciona. Se a informação está ao alcance de todos na “era digital”, com muito mais facilidade de acesso, o interesse pelas informações de qualidade restam sumariamente superadas pelas informações descartáveis, por joguinhos e salas de bate-papo.
Historicamente formamos uma sociedade com sérias deficiências culturais, uma desnutrição que com o passar dos anos, e por outros fatores que se somam a “revolução tecnológica” nos deixam com uma parcela substancial de analfabetos funcionais não diplomados e diplomados.
Alienação é um vocábulo um tanto forte para atribuir-nos aos nossos jovens, mas certo é que uma revolução, agora na educação deste país, se faz premente e indelegável ao próximo governante. São gerações que se acumulam sem maiores discernimentos que gerarão a perpetuação de nossas incapacidades de participar qualitativamente das escolhas que nossa democracia em sua porção mais participativa necessitaria.
Democracia, que do grego antigo significa coloquialmente “governo do povo”, definitivamente não se faz eficaz, não se pratica com eficiência quando o “povo” não foi construído com uma base educacional mínima que permita o conhecimento dos instrumentos democráticos que possui e de como podem ser efetivados.
Quando em 2013 os jovens saíram às ruas deu-nos a esperança de uma juventude que estava exercendo seu direito de participar dos destinos da Nação e democraticamente reivindicar. Quando procuramos perceber a fundamentação, os argumentos dessa juventude, percebemos de forma transparente a insipiência que fomentava o movimento. Logo o movimento desvirtuou-se de seus objetivos, que não se sabia com exatidão, encontrando o lamentável caminho da baderna pela baderna em porção que foi capaz de dar-lhe fim, consequência da ausência de propósitos discernidos e claros que a educação poderia lhes conferir.
Com o perdão do neologismo, este processo de “gadificação” que a ausência de vontade política impele à sociedade quando sonega a boa educação fará que se perpetue o nascimento de gerações despreparadas para se organizarem com qualidade e que se mostrarão sempre aptas a servirem como “massas de manobras” de quem detém o poder pelo poder, ou o poder que a educação qualificada por exceção, criando uma sociedade cada vez mais estratificada, onde apenas uma parcela muito pequena que formará a elite intelectual e/ou de poder do país terá o poder da voz que a democracia, em tese, conferiu a todos.
Sem uma revolução em nosso modelo educacional, “Brasil, um país de todos” jamais perderá sua já curial versão simplória e crítica, já de domínio público: “Brasil, um país de tolos”.
Um Estado Democrático de Direito, nos termos de nossa Constituição Republicana, com atores incapazes de cumprirem seu papel de fiscal do Estado e de exercitarem seus instrumentos democráticos disponíveis não é uma sociedade saci, mas amputada de suas duas pernas, com as mesmas características percebidas que se veem nas sociedades subdesenvolvidas inseridas em governos despóticos/ditatoriais. Da democracia sobram-nos fragmentos e substancial desordem. A beleza insuperável de uma democracia acaba aniquilada pelo profundo despreparo para vivenciá-la.
Não se pretendeu a utilização de tautologias nem muito menos eufemismos neste curto trato da questão, apenas desenhar um quadro minimalista que reflita um sentimento real com base nas experiências da vida.
Leonardo Sarmento – Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV.
1 comentário em “Um ensaio reflexivo: sociologicamente, a representatividade dos 524 mil zeros nas redações do Enem e prognósticos”
Não causa espanto essa performance porque isso é geral. Aqui no “Pebinha de Açúcar” quando se está conversando com jovens, mesmo aqueles que tiveram acesso às melhores escolas, percebe-se total ignorância quando se fala em poesia… em música. O que se tem é uma apologia ao sertanejo. Pablo do Arrocha e outros são os ídolos por aqui. No CDC quando a Secult traz algum artista de peso e com história na MPB o público é de meia dúzia de gatos pingados. Mas se vem um Michel Teló, Ney Safadão, etc, aí as piriguetes fazem a festa…casa cheia. Como cobrar dessa turma escrever bem?