Em 19 de fevereiro de 2007, Paulo Pimentel, funcionário da Mineradora Vale faleceu após acidentar-se no pátio de estocagem da empresa, quando, de madrugada, tentava desobstruir a Estrada de Ferro Carajás para a passagem do trem de carga, após esta ter sido obstruída devido a um acidente. Paulo, em virtude das más condições de segurança ofertadas pela empresa naquele momento, teve sua perna amputada no local. O funcionário, que era coordenador de operações do pátio, foi socorrido e encaminhado a um hospital em Marabá, onde veio a falecer.
O fato, de grande repercussão à época, fez com que em 2009, depois de seguidas diligências em vários locais de trabalho ao longo da EFC e de áreas do Complexo Mineral de Carajás, o Ministério Público do Trabalho ajuizasse uma Ação Civil Pública por dano moral coletivo e obrigações de fazer, já que, segundo a denúncia, haveria várias irregularidades e desrespeitos às normas de segurança do trabalho e na forma com a qual os trabalhadores da mineradora e de suas terceirizadas eram submetidos durante as jornadas de trabalho, ao longo dos 35 anos do Complexo Mineral de Carajás.
Os autos foram distribuídos à 2ª Vara do Trabalho da Comarca de Marabá-PA, que atualmente tem como titular o juiz federal do Trabalho Jônatas dos Santos Andrade (foto).
Depois de várias audiências e tentativas de conciliação, apresentação de provas, juntada de documentos que demostravam o volume dos acidentes de trabalho com e sem vítimas fatais ao longo do tempo no Complexo Mineral de Carajás, finalmente hoje (08), o processo foi sentenciado pelo juiz Jônatas Andrade, o mesmo que outrora havia aplicado multa milionária à Vale em relação as horas com deslocamento para o trabalho em Carajás.
Em sua sentença, de setenta e três laudas, o magistrado descreve passo a passo cada fase do processo, cada requerimento da reclamada (Vale), e pontua, um a um, citando jurisprudências e autores para embasar suas decisões, que condena a mineradora a:
- expedir análise preliminar de tarefa para cada trabalho a ser realizado;
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incluir nos treinamentos de segurança as principais situações e atividades de risco existentes na execução das tarefas, envolvendo a participação dos trabalhadores nas definições de estratégias e medidas de prevenção;
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elaborar ordem de serviço sobre a segurança nas operações das empilhadeiras;
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elaborar pelo menos uma vez ao ano o PPRA (Plano de Prevenção de Riscos Ambientais), de acordo com a NR-9;
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conceder intervalo entre as duas jornadas de trabalho, no período mínimo de onze horas consecutivas para descanso;
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não exigir de seus empregados o desempenho de funções fora de suas atribuições ou para as quais não estejam devidamente qualificados e treinados;
As cláusulas acima, das obrigações de fazer e não fazer, deverão ser implantadas a partir da publicação da sentença.
Por fim, o magistrado condena a mineradora a pagar a quantia financeira de:
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R$138,6 milhões a título de indenização por dano moral coletivo;
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R$313,9 milhões a título de Dumping Social (prática de certas empresas que procuram um aumentos dos lucros deslocando-se de um local para outro onde os salários são mais baixos e/ou os direitos dos trabalhadores mais precários. Desta forma, as empresas conseguem colocar os seus produtos no mercado internacional com preços altamente competitivos);
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Multa de 1% sobre o valor da condenação, por litigância de má-fé;
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Multa de R$50 mil por cláusula descumprida e obrigação de fazer descumprida e por trabalhador em situação irregular em caso de descumprimento das obrigações de fazer e não fazer.
As multas e indenizações, que corrigidas chegam a um total de R$804.132,908,56 (oitocentos e quatro milhões, cento e trinta e dois mil, novecentos e oito Reais e cinquenta e seis centavos) serão reversíveis às comunidades lesadas (Complexo Mineral de Carajás) pela via de projetos sociais de políticas públicas, de defesa e promoção dos direitos humanos dos trabalhadores e para o benefício dos trabalhadores e seus sucessores em toda a região da província mineral de Carajás.
No caso de inadimplência, passadas 48 horas do seu trânsito em julgado, proceder-se-á com o bloqueio on line das contas bancárias da Reclamada ou outros bens, independente de mandato de citação.
O valor da condenação pode parecer alto, contudo, como bem cita o magistrado ao longo se sua sentença, é irrisório quando confrontado com relatórios da empresa, que apontam investimentos de R$11,9 bilhões na execução de projetos e manutenção das operações, em 2014, além de apontar reembolso de R$13,3 bilhões à seus acionistas no mesmo ano. Segundo informações da própria Vale, a empresa pretende investir R$10,2 bilhões em 2015.
Para ratificar o valor da indenização, foram citados expressamente na sentença o caso do trabalhador esmagado pelo caminhão fora de estrada na mina de Carajás, o caso do trabalhador prensado entre trens da mineradora e que ficou inválido, o trabalhador içado que teve o braço arrancado no porto de São Luiz, o trabalhador que caiu no mar e morreu afogado também no porto de São Luiz, e as trabalhadoras atacadas pelas onças em Carajás. São inúmeros os casos de acidentes no Complexo de Carajás. Segundo relatório do magistrado, usando dados da própria Vale, foram oito mil e trezentos acidentes sem vítimas fatais ao longo dos 35 anos do projeto. Só em 2000 foram 5 acidentes com vítimas fatais e 1,018 sem vítimas fatais no Complexo Minerário de Carajás.
Os números mostram o absurdo que é a ineficácia da mineradora Vale em relação à prevenção e que, se alguma atitude não for urgentemente tomada, esses números tendem em aumentar.
Da decisão, cabe recurso.
O Blog tentou contato para que a Vale se pronunciasse sobre a sentença, todavia, devido ao adiantado da hora, a Assessoria de Comunicação informou que isso só seria possível amanhã. O espaço continua franqueado.
Autos 0292800-44-2009.5.8.0117
Atualização
A Assessoria de imprensa da Vale enviou a seguinte nota:
A Vale informa que ainda não foi notificada da decisão proferida pelo Juiz Federal do Trabalho e que aguardará a intimação formal da sentença para adotar as providências cabíveis. A empresa reitera, no entanto, que todos os procedimentos de segurança no trabalho citados e inúmeras outras ações são executadas pela empresa, inclusive, para além do que determina a legislação vigente.
6 comentários em “Vale é condenada na Justiça do Trabalho e terá que pagar R$800 milhões em obras sociais aos trabalhadores do Complexo Minerário de Carajás”
Grande Thiago,
forte abraço, amigo.
Eu trabalhei 04 (quatro) anos nos caminhões de 300Ton. Com mais de quatro mil litros de combustível e nunca ganhei periculosidade. Hoje estou trabalhando à 11(onze) mêses na Escavadeira Bucyrus 120 Ton. 7.200volts. E não ganho periculosidade. Será que não tenho direito?
KKKK isso não dar em nada a vale já recorreu, e não haverá nenhuma idenização! Subestimam o poder da VALE!
Muito bom bruno, saudações Parauapebenses!
Não é qualquer juiz que tem a coragem de enfrentar uma gigante como a Vale. A luta contra os abusos do capital também passa por atos de coragem como a sentença proferida pelo magistrado.
Vejo com muito pesar juízes se encastelando em seus gabinetes, precupados tão somente com estatísticas e com os critérios de promoção na carreira.
O Judiciário Trabalhista honrou o institucional compromisso de defesa efetiva do trabalhador. Nos enche de orgulho o Estado se manifestando desta forma: contundente, efetivo e justo.
Confesso, mais uma vez, orgulho.
Parabéns ao MPT e ao Ilustre Magistrado.