Na última reunião do board (Conselho Administrativo) da Vale S/A, há duas semanas, um voto contrário frustrou o anúncio da prorrogação do mandato do atual CEO da mineradora, Eduardo Bartolomeu. O consenso em torno do nome dele veio nesta semana, com mandato prorrogado até dezembro, como informa o comunicado distribuído à imprensa.
Com a decisão, Eduardo Bartolomeo fica no cargo só até o final deste ano, encerra-se uma etapa e começa outra no complexo processo sucessório da mineradora, que vem sofrendo interferência de um dos sócios: o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que não tem poder de veto às decisões do Conselho.
A Vale, desde que se tornou uma corporation — termo em inglês usado para se referir a uma empresa cujo controle é disperso, sem um único dono que detenha mais de 50% do capital de uma companhia —, adotou uma política de sucessão da companhia com diretivas rigorosas. Diante do impasse sucessório apresentado, vai se iniciar agora a contratação de uma empresa internacional de seleção de executivos. O “headhunter”, uma vez contratado, vai selecionar nomes de potenciais candidatos.
A lista deve começar ampla e irá se reduzindo até chegar ao novo CEO da companhia, uma das maiores mineradoras mundiais e uma das principais ações da bolsa brasileira, a de maior peso na composição do índica Ibovespa, da B3, a Bolsa de Valores do Brasil.
“Pode ser uma lista de dez, que vai se afunilando, para se chegar a uma lista tríplice [a partir da qual sairá o CEO]”, afirmou uma fonte. Dessa forma, até executivos da Vale, como vice-presidentes, podem ser considerados e incluídos na disputa.
A dúvida que permanece agora, uma vez que Bartolomeo não estará mais no comando da Vale em 2025, é se o governo tentará novamente pressionar a companhia para indicar um nome próximo do Planalto. Neste caso, a governança da Vale seria mais uma vez testada como aconteceu ao longo dos últimos meses, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou indicar o ex-ministro Guido Mantega como CEO da companhia.
Especialistas reconhecem que é difícil para qualquer sistema de governança passar incólume a pressões políticas de um governo, como aconteceu no caso da Vale. Também será preciso ver que outros nomes vão compor a lista a partir da qual sairá o executivo que irá comandar os rumos da Vale nos próximos anos.
A reunião do conselho de administração que decidiu pela renovação do contrato de Bartolomeo por um período mais curto que o habitual — pelo estatuto, o mandato da diretoria-executiva, incluindo o CEO, é de três anos — se estendeu por cerca de oito horas na tarde — noite da sexta-feira (8). A decisão final foi tomada por maioria, não por consenso.
A proposta vencedora, com votos contrários de dois conselheiros independentes (José Duarte Penido e Paulo Hartung), previu a renovação do contrato de Bartolomeo até dezembro de 2025. Mas ele só exercerá a função de CEO até dezembro de 2024, quando, se espera, o novo presidente estará eleito. A ideia de um mandato menor para o executivo já havia sido ventilada em janeiro deste ano.
Transição
Nos primeiros meses de 2025, Bartolomeo fará a transição e depois ficará à disposição da companhia como consultor. Ele poderá contribuir, por exemplo, na consolidação da Vale Base Metals (VBM), empresa que reúne os ativos de metais de transição energética no Canadá, operação da qual o executivo cuidou antes de ser nomeado presidente da mineradora, em 2019, logo depois da tragédia de Brumadinho (MG), que matou 270 pessoas. Bartolomeo está há cinco anos no comando da Vale.
Na reunião do colegiado na sexta-feira, fora os dois votos contrários, houve 11 votos a favor desse modelo sucessório. A sucessão na Vale tornou-se motivo de ruídos pela tentativa de intervenção do governo na empresa. Na guerra de bastidores que se estabeleceu, circulou de forma repetida por alguns interlocutores que Bartolomeo não tinha boa interlocução em Brasília e com governadores. Esse processo tem penalizado o valor das ações da Vale na Bolsa. Os papéis andam de lado há muitos meses.
A tese é refutada por pessoas próximas ao executivo que dizem que é preciso avaliar de qual governo estaria se falando em referência aos núcleos de poder na Esplanada dos Ministérios.
A recondução de Bartolomeo ganhou força no início do ano por conta dos riscos de interferência do governo na companhia. “Havia um entendimento, incluindo acionistas estrangeiros, de que seria melhor a recondução para evitar um nome imposto por Brasília”, disse uma fonte. Bartolomeo tem boa relação pessoal com todos os conselheiros.
“O perfil do futuro presidente da Vale terá de ser de um executivo que transite bem em todas as áreas de mineração e que dialogue bem com as autoridades”, disse uma fonte, sob reserva.
No processo de avaliação (“assessement”) de Bartolomeo, elaborado por um comitê que assessora o conselho, esse requisito ficou a desejar, reforçou outra pessoa a par do assunto. Bartolomeo é visto como um executivo operacional que se ocupou, ao longo do seu mandato, em recuperar a Vale depois de a empresa enfrentar, em Brumadinho, um dos momentos mais difíceis de sua história de quase 82 anos.
As dificuldades no processo sucessório ficaram evidentes em uma reunião do conselho realizada na quinta-feira, 15 de fevereiro. Na ocasião, havia expectativa de uma definição, mas o encontro terminou empatado. O impasse foi resultado de meses de pressão sobre a companhia, o que acirrou os variados interesses políticos e empresariais no entorno da Vale.
Na ocasião, houve seis votos pela recondução de Bartolomeo e seis pela abertura de um processo competitivo de seleção de executivo, além de uma abstenção, do conselheiro Luis Guimarães, ligado à Cosan, do empresário Rubens Ometto. Na reunião de sexta-feira, Guimarães, que vem sendo cotado como um possível nome para CEO da Vale, abandonou a neutralidade e votou a favor do processo sucessório na forma em que foi aprovado.
Não fica claro neste momento se Guimarães pode aparecer na lista a ser formada ao longo deste ano ou se ele ficará como um potencial CEO da Vale mais adiante. É uma discussão que os acionistas terão que fazer, entre muitas outras.
Em todo esse processo de sucessão houve, porém, algumas decisões importantes que deverão ser observadas na escolha do CEO buscando preservar o melhor interesse da companhia.
No encontro do conselho do dia 15 de fevereiro, o Bradesco, acionista da Vale desde a privatização da empresa em 1997, já havia votado a favor do processo competitivo, mas condicionou o voto a que o sucessor de Bartolomeo não venha de indicação política ou seja ex-diretor da companhia, segundo relato de fontes que participaram das discussões.
No fim da noite, a Vale divulgou comunicado informando que o conselho da companhia, em comum acordo com Bartolomeo, definiu pela extensão do atual mandato até 31 de dezembro de 2024, bem como pela abertura do processo de sucessão, em linha com a política de sucessão de presidente da Vale. “Definiu-se também que Eduardo Bartolomeo apoiará a transição para a nova liderança no início de 2025 e que atuará como advisor da Companhia até 31 de dezembro de 2025”, disse o comunicado.
O comunicado prosseguiu, citando Daniel Stieler, presidente do conselho da mineradora: “Agradecemos imensamente o empenho e a dedicação do Eduardo nos últimos cinco anos e trabalharemos juntos até o final de seu mandato. Seguiremos conduzindo o processo sucessório de forma diligente e cumprindo com rigor as políticas internas da companhia.”
Bartolomeo, por sua vez, afirmou: “Seguirei empenhado em avançar nas prioridades estratégicas da companhia até o fim do meu mandato e em garantir uma transição bem-sucedida para a nova liderança. Ao longo desses cinco anos, implementamos uma transformação profunda na companhia, envolvendo a cultura interna, a reorganização dos negócios e o foco na alocação de capital e na geração de valor para os nossos acionistas e para a sociedade. Sigo extremamente otimista em relação ao futuro da Vale.”
Ainda segundo o comunicado da Vale, a definição do novo presidente da empresa deverá considerar os atributos e perfil necessários para a posição frente à estratégia e os desafios futuros da Companhia. “O Conselho de Administração contará com o apoio de empresa de padrão internacional e a companhia apresentará seu novo Presidente uma vez concluído o processo sucessório.”
Conclui o comunicado: “O Conselho de Administração reforça seu compromisso com a construção da Vale do Futuro, por meio de sua estratégia de promoção da mineração sustentável, fomento a soluções de baixo carbono e manutenção da disciplina de custos e alocação de capital, com uma cultura direcionada à segurança e mantendo uma relação próxima com nossos stakeholders. Com diálogo aberto e transparente, o órgão continuará atuando de forma diligente e colaborativa com o Comitê Executivo da Companhia para tornar a Vale uma referência em criação e compartilhamento de valor para nossos acionistas e sociedade.”
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.