Brasília – O mercado financeiro aguarda com expectativa o resultado do balanço do quarto trimestre de 2023 da mineradora Vale nesta quinta-feira (22). Com dados de produção e vendas atingindo o guidance – “orientação”, em tradução livre do inglês –, que constitui informações que uma empresa de capital aberto oferece ao mercado como uma indicação ou conjectura de seu desempenho futuro, no caso o último trimestre das operações de 2023. Analistas acreditam que o balanço trimestral da mineradora sinalizará melhorias operacionais e crescimento nas principais linhas.
É o que acredita a Genial Investimentos, por exemplo, que está confiante com a performance da companhia no quarto trimestre do ano passado. Segundo a corretora, em relatório de prévia, essa temporada deve mostrar um crescimento de duplo dígito tanto em base sequencial quanto anual em todas as linhas do balanço da Vale: receita, Ebitda — sigla em inglês para Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization, ou em português, Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização (LAJIDA) — e lucro líquido.
De acordo com a equipe da Genial é grande a expectativa para o Ebitda, especialmente, com projeções para o indicador proforma do quarto trimestre de US$ 7,2 bilhões, saltos de 61,2% e 44,1% nas bases trimestral e anual, respectivamente, considerando a “notável receita do minério de ferro fino e das pelotas” no período.
Além disso, com uma receita em alta mais forte que a ascensão do custo, mesmo considerando o frete mais caro, o custo caixa C1 por tonelada deve mostrar impactos satisfatórios da maior capacidade de diluição, “pondo fim às consequências mais nefastas do ponto de vista de margem em relação ao empecilho logístico de Ponta da Madeira” que pressionou a companhia no início de 2023, completa a corretora.
Interpretar os números do balanço de uma empresa não é tarefa fácil. Por isso, os analistas da Empiricus — outra corretora de referência do mercado — vão “traduzir” os dados para os investidores tomarem suas decisões mais calcadas em dados concretos.
Aumento de produção
Conforme relatório divulgado no fim do mês passado, a Vale reportou 89,4 milhões de toneladas métricas de minério de ferro no quarto trimestre de 2023.
No ano cheio de 2023, a produção da commodity pela Vale totalizou 321,1 milhões de toneladas. Com isso, a empresa superou o guidance proposto de ~315 milhões de toneladas.
No entanto, além das metas alcançadas de produção, o que surpreendeu positivamente os analistas foi a divisão de metais básicos. Antes da prévia operacional, algumas casas levantaram possibilidade de operações ainda fracas.
De acordo com o BTG Pactual — maior banco de investimentos do Brasil —, a ala de cobre surpreendeu positivamente, com os embarques totalizando 97,5 mil toneladas, alta de 36% ano a ano e 15% acima das expectativas.
A produção de cobre disparou, a 99,1 mil toneladas, beneficiada pelo ramp-up — etapa que define a fase de início da produção de uma indústria, com o objetivo de comercializar um produto novo. É também conhecida como “rampa de produção”. Este estágio ocorre quando a etapa de projeto e testes termina, ou seja, após a fabricação dos protótipos e do lote-piloto —bem-sucedido da Salobo III, em Marabá (PA), destaca o relatório do banco.
Do lado do níquel, embora a performance de produção tenha sido mais fraca no comparativo anual, veio em linha com o guidance, aponta a Empiricus Research, em relatório do último mês.
A equipe de análise da XP Investimentos projeta melhora para o segmento, refletindo volumes e preços acima do esperado — embora o níquel ainda deva seguir como destaque negativo.
Um levantamento elaborado pela Bloomberg — site norte-americano especializado em finanças — mostra que o consenso do mercado trabalha com um lucro líquido de R$ 18,9 bilhões (ou algo próximo de US$ 3,83 bilhões) para a Vale no quarto trimestre de 2023.
Indefinições e nova compra desde 2021
As ações da Vale sofrem nesse início de ano. Além da recente correção dos contratos futuros do minério de ferro negociados na Ásia, ruídos envolvendo o nome da companhia, em especial o futuro da gestão, vêm impedindo que os papéis se recuperem na bolsa.
Após reuniões que terminaram sem definição, membros do conselho de administração da Vale estão divididos sobre renovar ou não o mandato do atual CEO, Eduardo Bartolomeo, com data de término no fim de maio.
Também no radar, investidores olham com atenção para a possibilidade de a Vale anunciar provisões extras para o caso do rompimento da barragem da Samarco, visto que a BHP comunicou um aumento de US$ 3,2 bilhões para cobrir os custos necessários referentes ao acidente.
Enquanto aguarda para saber se terá ou não o contrato renovado como CEO, Bartolomeo acaba de acertar uma aquisição para a mineradora, algo que não ocorria desde 2021. A empresa comprou 15% de um dos negócios da britânica Anglo American no Brasil, o complexo Minas-Rio, ativo que tem potencial para produzir até 31 milhões de toneladas de minério de ferro por ano e gerou Ebitda de US$ 1,4 bilhões em 2023.
A mineradora está desembolsando US$ 157,5 milhões na transação, mas o valor final está sujeito a variações do preço de minério de ferro pelos próximos quatro anos, podendo passar por ajustes caso a cotação fique acima de US$ 100 por tonelada ou abaixo de US$ 80 nesse período.
Bartolomeo já havia indicado que aquisições estavam no radar da Vale, com uma agenda focada nos chamados metais de transição, depois de ter iniciado uma reorganização das suas operações em 2022. Segundo ele, o objetivo do acordo com a Anglo American é “apoiar a demanda crescente por minério de ferro de alta qualidade à medida que nossos clientes aceleram suas transições para uma siderurgia com baixa emissão de carbono”, explicou.
A transação foi anunciada no mesmo dia em que o conselho da Vale se reúne para aprovar os resultados de 2023. A sucessão do CEO, embora não esteja oficialmente na pauta, pode ser discutida pelos conselheiros. Bartolomeo está no comando da companhia desde 2019 e tem mandato até maio.
O acordo costurado com a Anglo American também prevê a opção de a Vale comprar mais 15% do negócio caso alguns eventos se concretizem, como o recebimento de licença ambiental necessária para execução de um plano de expansão que já tenha passado por estudos de viabilidade.
Independentemente disso, a Anglo American continua a controlar, gerenciar e operar a Minas-Rio, focada na produção de pellet feed (minério com alto teor de ferro e baixa impureza). Como parte do acordo, a Vale vai contribuir na operação com minério de ferro que sairá do seu depósito da Serra da Serpentina, que é contínuo ao complexo Minas-Rio e possui cerca de 4,3 bilhões de toneladas.
“A combinação dos dois recursos oferece consideráveis oportunidades de expansão, incluindo o potencial para duplicar a produção, que Anglo American e Vale avaliarão nos termos da transação”, afirma a mineradora.
Uma vez ampliada, a operação de Minas-Rio terá ainda a opção de utilizar a linha férrea próxima da Vale e o porto de Tubarão para transportar a produção expandida como uma alternativa à construção de um segundo mineroduto para a instalação portuária da Anglo American no Açu, onde a empresa britânica seguirá com sua fatia de 50%. Segundo a Vale, o mineroduto Minas-Rio existente cruza a rede ferroviária da Vale à jusante do Minas-Rio, permitindo que um segundo mineroduto muito mais curto se conecte com a ferrovia Vitória-Minas até o porto de Tubarão.
Pelo acordo, a Vale receberá uma parcela da produção proporcional à sua fatia, que será destinada às plantas de pelotas no Brasil e, no futuro, para os chamados mega hubs, produzindo briquetes de minério de ferro. A capacidade total do complexo Minas-Rio equivale a pouco menos de 10% do que a Vale produziu no ano passado (321,2 milhões de toneladas).
Assinado protocolo entre Vale e Petrobras
As duas maiores empresas do Brasil, a Vale — uma corporation e a Petrobras, estatal de capital misto —, assinaram um protocolo de intenções em investimentos em transição energética. A parceria terá duração de dois anos e vai avaliar o desenvolvimento de iniciativas em combustíveis sustentáveis, como o hidrogênio, metanol verde, biobunker, amônia verde e diesel renovável, além de tecnologias de captura e armazenamento de gás carbônico. A Vale tem interesse no negócio devido a exploração que faz de ferrovias sob sua administração. Já a Petrobras tem na produção de energia fóssil seu principal negócio e quer investir em energia renovável para a transição energética.
As conversas incluem potenciais acordos comerciais para fornecimento desses combustíveis de baixo carbono produzidos pela Petrobras para consumo nas operações da Vale, seja por contratos de longo prazo ou mesmo criação de uma joint venture — quer dizer “união com risco”. Um tipo de associação em que duas entidades se juntam para tirar proveito de alguma atividade, por um tempo limitado, sem que cada uma delas perca a identidade própria.
O diretor de transição energética da estatal, Maurício Tolmasquim, disse que serão “contratos bilionários” entre as empresas, se o negócio for adiante. Mas ainda há pouca clareza do que pode ser feito. As companhias esperam ter uma visão melhor das possibilidades até meados do ano que vem.
“São as duas maiores potências brasileiras unindo forças em torno de um propósito comum: desenvolver soluções mais modernas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, disse o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, em comunicado. “Vamos potencializar a capacidade produtiva, a estrutura logística e expertise tecnológica, de dois gigantes nacionais, para alavancar a produção e o fornecimento de combustíveis mais eficientes e sustentáveis.”
A transição energética tem movimentado todas as empresas do setor, em alguma medida. Nessa toada, a Petrobras já tem anunciado iniciativas em energia eólica, por exemplo — como um contrato multimilionário com a WEG e um memorando de entendimento com TotalEnergies e Casa dos Ventos para renováveis.
Recentemente, tornou-se acionista da Vale o grupo Cosan, hoje com cerca de 5% da empresa. Luis Henrique Guimarães, CEO da Cosan, é um dos conselheiros da mineradora e está no páreo como possível indicado para assumir o cargo de CEO na mineradora. Controladora da Raízen, o grupo Cosan tem investido no etanol de segunda geração e detém uma das maiores distribuições de combustíveis do país, por meio da bandeira Shell.
Desde que a BR Distribuidora foi privatizada, passando a se chamar Vibra, a Petrobras deixou de constar entre os acionistas com mais de 5% da empresa, mas ainda tem contrato para uso da marca BR nos postos. A Vibra também tem investido em transição energética, à medida que deixou de ser uma rede de postos e passou a ser uma plataforma de energia.
Por Val-André Mutran – de Brasília