Mais um vexame para a coleção de indicadores sociais vergonhosos que o Pará faz repercutir Brasil afora. O estado é lanterninha em oferta de esgotamento sanitário a sua população, conforme dados que o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) acaba de tirar do forno. O ano-base das estatísticas — repassadas, inclusive, pelas próprias prefeituras — é 2017, primeiro ano do atual mandato dos prefeitos que tomaram posse no cargo após as eleições municipais de 2016.
No Pará, apenas 420 mil habitantes têm acesso à rede de esgoto, de acordo com o SNIS, que é gerido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. É como se apenas duas cidades do tamanho de Marabá tivessem o “privilégio” de não conviver com dejetos correndo a céu aberto num estado de tamanho colossal e onde vivem 8,6 milhões de habitantes. Ou seja, menos de 5% da população paraense têm acesso à esgoto tratado.
O Blog do Zé Dudu vasculhou os números do SNIS e constatou que o município de Belém é o que possui mais pessoas atendidas: 189 mil. É como se uma cidade do tamanho de Parauapebas dentro da capital tivesse acesso ao serviço de esgoto. Por outro lado, 1,3 milhão de belenenses ainda convivem com esgoto debaixo do nariz. Não à toa, Belém é considerada uma das capitais mais sujas e desprovidas de saneamento básico do país, de acordo com diversas entidades que cuidam do assunto, como o Instituto Trata Brasil, que faz uso, também, dos dados do SNIS para levantamento próprio.
Interior largado às traças
Mas se Belém ainda tem meia dúzia de privilegiados com rede de esgoto, no interior do estado nem isso. Em Marabá, segunda maior cidade fora da região metropolitana, menos de 1% da população tem esgotamento sanitário. Vale destacar que o município está às vésperas de entrar para o temido levantamento do Instituto Trata Brasil, que considera o saneamento básico dos 100 municípios mais populosos do país (Marabá é o 102º) e é referência nacional para investimentos, com repercussão social fora do Brasil. Belém, Ananindeua e Santarém todo ano saem no levantamento, sendo pejorados como os piores (ou entre os piores) municípios brasileiros em saneamento básico. Marabá pode se ajuntar ao time da vergonha a qualquer momento.
A situação de Parauapebas é pouco distinta. Com apenas 31 mil pessoas de seus 203 mil habitantes com acesso à rede de esgoto, o município que tem a quarta prefeitura mais rica da Região Norte, superando várias capitais, ainda assiste incólume ao convívio com esgoto a céu aberto para 85% de sua população. Parece um contrassenso, e é, uma vez que Parauapebas é um dos três municípios nacionais que mais lucro dão ao Brasil, a partir da exportação de commodities. Ainda assim, a “Capital Nacional do Minério de Ferro” convive com graves problemas sociourbanísticos que outras localidades — inclusive as paupérrimas — já erradicaram há décadas.
No interior do estado, a situação mais amena é a de Canaã dos Carajás, onde pouco mais da metade de seus habitantes já não enxergam o esgoto como um problema a ser combatido. Também considerado um dos municípios mais ricos do Pará, Canaã tem conseguido organizar-se socialmente em velocidade um pouco melhor que seus vizinhos.
56 sem água encanada
Outra contradição do Pará é a falta de água encanada num estado sabidamente rico em rios e com um potencial hídrico invejável. Dos 144 municípios do estado, 56 ou não oferecem água encanada ou não repassaram informações ao SNIS e, portanto, estão “zerados” no levantamento. Oficialmente, apenas 3,07 milhões de paraenses têm água nas torneiras de casa por intermédio da rede geral. Isso quer dizer que o restante, equivalente a 65% dos paraenses, ou usam água de poço ou dão um jeito qualquer de acessar o líquido precioso e indispensável às atividades humanas num estado que é, ainda, manancial de água doce e potável.
Os municípios com maior número absoluto de moradores com acesso à água encanada da rede geral são Belém (1,03 milhão), Parauapebas (182 mil), Ananindeua (167 mil), Santarém (155 mil), Tucuruí (100 mil), Marabá (95 mil), Paragominas (91 mil), Cametá (76 mil), Oriximiná (73 mil) e Ulianópolis (57 mil).
Enquanto faltam rede de esgoto e água para os habitantes do estado, doenças típicas da ausência de saneamento proliferam-se e matam milhares de paraenses todos os anos. De acordo com o Ministério da Saúde, 468 pessoas morrem no Pará todos os anos em decorrência da escassez de saneamento básico. Em 2017, apenas de diarreias e gastroenterites relacionadas à precariedade no saneamento, 133 paraenses foram sepultados. O prejuízo é em cascata.