Veto de R$ 5,1 bi de emendas de comissão pode azedar entrosamento entre Executivo e Legislativo

A articulação política do governo garante que equipe econômica vai apresentar plano para repor os valores
O presidente Lula, e a Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, durante assinatura da Sanção do PLN 29/2023, Lei Orçamentária Anual (LOA 2024), no Palácio do Planalto na segunda-feira (22)

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Deputados e senadores, da oposição ou da situação não podem se queixar do corte no Orçamento de R$ 5,6 bilhões aplicado sobre as chamadas emendas de comissão. Mal comparando, o presidente ao sancionar a Lei, deixou intocável os R$ 4,9 bi para o fundo eleitoral — o dobro do valor gasto no último pleito das campanhas municipais em 2020.

Outra questão em aberto e a ser discutida na retomada dos trabalhos do Congresso Nacional, no dia 1° de fevereiro, diz respeito ao mérito desse tipo de corte, uma vez que as emendas parlamentares são o principal mecanismo pelo qual deputados e senadores destinam recursos para os seus redutos eleitorais. Mesmo com o veto, o saldo em emendas será de R$ 47,5 bilhões, um patamar sem precedentes, que suscita uma indagação: até quando será aceita a forma como esse dinheiro é usado?

Na prática, os recursos bilionários das emendas têm sido usados com critérios políticos, e não técnicos, o que, a rigor, é uma distorção a ser corrigida. Ou seja, a verba do governo federal é enviada a redutos de deputados e senadores, sem que ocorra necessariamente uma avaliação sobre a sua necessidade.

Na realiade, os programas federais têm sido esvaziados e quem perde com isso é o país, independentemente da disputa ideológica de esquerda, centro ou direita. O povo não tem nada a ver com essas questiúnculas da velha política. A população merce respeito e entrega de projetos que favoreçam a melhoria de suas vidas, no Norte, Nordeste, Sul, Centro e Sudeste.

Prevendo desgaste na relação entre os poderes Legislativo e Executivo, o governo Lula (PT) tenta se antecipar ao confronto, apaziguando a situação. Foi prometido a vários líderes partidários contatados, antes mesmo da sanção da Lei Orçamentária, que o governo apresentará ainda em fevereiro um plano para reverter o corte no Orçamento de R$ 5,6 bilhões aplicado sobre as chamadas emendas de comissão. O objetivo do Palácio do Planalto é tentar evitar uma nova crise com o Congresso Nacional na volta dos trabalhos legislativos, até porque, mesmo com o veto, o saldo em emendas será de R$ 47,5 bilhões, um patamar recorde que sinaliza que algo está errado e desequilibrando as armas do jogo político em Brasília.

Justificativa

A justificativa explicada em conversar individuais, com vários caciques partidários, ponderou que durante a tramitação do projeto no Congresso, dotações inicialmente programadas pelo Executivo “sofreram redução considerável”, e parte dos recursos foi direcionada para as emendas de comissão da Câmara e do Senado.

“Em que pese a boa intenção do legislador no sentido de direcionar recursos a áreas de legítimo interesse das comissões autoras das emendas, e diante da redução supracitada, ficam comprometidas programações relevantes que demandam recomposição, mesmo que parcial, sendo necessário o veto de parte das dotações relativas às emendas RP 8, no montante de R$ 5,6 bilhões, por contrariedade ao interesse público”, diz justificativa do governo publicada em edição do “Diário Oficial” desta terça-feira (23), quando foi aberto o teor do ato presidencial.

O anúncio do corte sobre as emendas já desencadeou uma reação entre congressistas, que indicam que o veto de Lula deve ser derrubado. O tema é mais um na lista de ações do Planalto que foram mal recebidas pelo Congresso e que azedaram a relação entre os dois Poderes.

No final de dezembro, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) editou uma medida provisória que reonera a folha de pagamentos de setores da economia. A medida gerou forte críticas entre deputados e senadores, que acusaram o ministro de insistir numa política que já foi rejeitada em votação pelo Congresso.

Na ocasião, por ampla votação, senadores e deputados derrubaram o veto integral ao projeto da Desoneração da Folha de Pagamentos, outra medida que carece de debates não apenas devido ao montante envolvido e com impacto direto na política fiscal, mas, preponderantemente, aos resultados tangíveis de prováveis custos x benefícios, que provem as vantagens de uma desoneração que se arrasta desde 2014, sendo prorrogada para até 2027, com o agravante de Frentes Parlamentares afirmarem que querem aumentar dos atuais 17 setores beneficiados, toda a cadeia produtiva nacional.

Na semana passada, em outra iniciativa que irritou uma importante bancada do Legislativo, a Receita revogou a ampliação de um benefício tributário concedido a pastores e padres.

A decisão entrou na mira dos deputados da Frente Parlamentar Evangélica e Católica, e o governo precisou anunciar a criação de um grupo de trabalho para tratar do tema. Com as ameaças dos parlamentares religiosos, o Planalto avalia retomar o benefício.

A composição atual do Congresso não traz um cenário de tranquilidade a Lula. Apesar de a base formal contar com mais de 350 dos 513 deputados, a esquerda tradicional tem pouco mais de 100 cadeiras. Esse cenário emergiu após o resultado eleitoral das eleições gerais de 2022.

Para evitar a criação de uma nova crise, articuladores de Lula dizem que uma proposta de recomposição das emendas será colocada sobre a mesa até o final de fevereiro. A ideia é negociar a solução antes da sessão conjunta do Congresso que tem poder de analisar vetos do presidente da República —e derrubá-los. A convocação dessas sessões cabe ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O governo sabe que este é um ano eleitoral e que isso gera pressão para que deputados e senadores destinem dinheiro para suas bases antes do início das campanhas municipais. Pelas regras eleitorais, há limitações para esses repasses no começo do segundo semestre.

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), admitiu o risco de derrubada do veto. “Vamos negociar ao máximo para que não serem derrubados”, afirmou.

Já o relator do Orçamento de 2024, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), esteve no Palácio do Planalto para a sanção da medida e também falou na possibilidade de derrota do governo. “Isso que vamos tentar construir até a próxima sessão do Congresso. Logicamente, se não achar solução, o objetivo dos parlamentares é derrubar o veto”, disse a jornalistas.

O alvo do veto de Lula foi no tipo de emenda que é usada para negociações políticas no Congresso, as de comissão.

Líderes admitem que as emendas de comissão vão funcionar como as extintas emendas de relator, que eram a principal moeda de troca nas negociações do governo Jair Bolsonaro (PL) e do Legislativo. O mecanismo das emendas de relator foi derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no fim de 2022.

Naquele ano, as emendas de comissão representaram apenas R$ 330 milhões. Para 2024, o Congresso aprovou R$ 16,6 bilhões. Mas o Planalto diz que o acordado era o valor de R$ 11 bilhões e que, por isso, precisou vetar uma parte.

Integrantes do Congresso dizem que a verba de R$ 16,6 bilhões já foi dividida informalmente entre a cúpula do Legislativo. Isso, portanto, é mais um entrave para os parlamentares aceitarem a redução do valor.

Pelo acertado, por exemplo, a Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado teria R$ 4,5 bilhões e a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), R$ 800 milhões —essa última é comandada por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos campeões do envio de emendas no Congresso, o que, naturalmente, gera ciumeira nos senadores do Baixo Clero no Senado e nos deputados, na Câmara Federal.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.