Brasília – Como era esperado, a polêmica votação, em regime de urgência, do projeto de lei que estabelece novas regras para pesquisas eleitorais, prevê o pagamento de multas, ressarcimentos, indenizações e proibição de atuação em eleições seguintes, não teve acordo e foi adiada, sem previsão de data para novo exame. Embora o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tenha pautado a matéria na sessão de retomada dos trabalhos na terça-feira (11), nem líderes do Centrão concordaram, e o projeto foi retirado de pauta.
A própria base do governo na Câmara não conseguiu votar o projeto de lei que criminaliza erros nas pesquisas eleitorais e prevê penas de até dez anos de prisão.
Líderes de partidos disseram a Lira que votar um projeto tão polêmico como esse, às vésperas das eleições, daria margem para acusações de casuísmo. Até mesmo aliados do presidente Jair Bolsonaro avaliaram que não era hora de discutir o assunto e pediram adiamento.
O bloco de sustentação do governo no Congresso não conseguiu reunir até agora apoio suficiente para votar o projeto que pune os institutos de pesquisa. Arthur Lira tem negado que o objetivo seja criminalizar as pesquisas de intenção de voto. Diz, porém, que é preciso cobrar algum tipo de ressarcimento de institutos que ”induzem” o eleitor a erro, proibindo sua participação em outras eleições.
Posicionamento
Como em outras ocasiões envolvendo a decisão de votar pautas de alto impacto diante da opinião pública, a exemplo do projeto que acabou com as “saidinhas” dos presídios, Arthur Lira criticou a avaliação de que os parlamentares da base do governo pretendem criminalizar as pesquisas eleitorais, após alguns levantamentos na véspera do pleito deste ano não estarem de acordo com os resultados das urnas.
Segundo Lira, não se trata de criminalizar os institutos de pesquisa, mas promover sua regulamentação, com regras, uniformização de métodos e punição para diferenças que estejam muito acima da margem de erro.
Lira reforçou que ainda não há um texto decidido para ser votado. Ele disse que a proposta foi discutida na tarde de terça entre os líderes governistas, mas não havia consenso para colocar em votação as propostas que estão prontas para votação na Casa.
Questionado pelas jornalistas se a votação desse projeto seria uma manobra? O presidente da Câmara disse que qualquer votação de qualquer proposta em regime de urgência, ou seja, sem tramitar pelas comissões, é uma previsão regimental.
“É preciso ter respeito ao Legislativo, aqui não fazemos manobras, são termos infelizes: falar em criminalização de pesquisa e manobra. Nós tivemos um histórico nacional, regional, estadual de erros de muitas pesquisas. Não queremos criminalizar a ação das pesquisas e, sim, discutir sua regulamentação. Que efeitos civis, compensatórios, o que podemos mudar, que uniformização de métodos a gente pode escolher?”, enumerou.
O presidente afirmou ainda ser contrário a uma responsabilização penal dos donos das empresas, mas defendeu o pagamento de multas, ressarcimentos, indenizações e proibição de atuação em eleições seguintes. De acordo com Lira, uma diferença muito grande entre o resultado final da eleição e os projetados na véspera do pleito podem induzir o eleitor ao erro.
“Não tenho nenhuma indicação de como vamos fazer essa responsabilização objetiva penal. Na minha visão, a empresa de pesquisa, que recebe para fazer pesquisa, teria que ressarcir, ser multada. Você não pode errar em 20, 15, 10 pontos, isso não é erro, isso é direcionamento. É um serviço malfeito que induz eleitores de boa fé”.
Punição
De autoria do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o projeto foi protocolado na Casa na semana passada, poucos dias após o primeiro turno das eleições. A punição prevista para quem errar o resultado da eleição fora da margem de erro vai de quatro a dez anos de prisão.
Segundo o texto que tramita na Câmara, serão punidos os institutos que publicarem “nos 15 dias anteriores à data da eleição, pesquisas com dados que divirjam, além da margem de erro, do resultado apurado nas urnas”. Quem responde pelo erro é o “estatístico responsável pela pesquisa divulgada, o responsável legal do instituto de pesquisa e o representante legal da empresa contratante da pesquisa”.
O líder do governo também destacou que, caso queiram publicar algum levantamento, os veículos de imprensa devem divulgar todas as pesquisas registradas na Justiça Eleitoral de uma só vez, incluindo até mesmo as da véspera. Pela proposta, quem descumprir a norma terá de pagar multa de mil salários mínimos, o equivalente a R$ 1,2 milhão.
De acordo com Barros, o projeto não foi votado nesta terça-feira (11) porque ainda não há acordo sobre qual seria o texto ideal sobre o tema. Uma parte dos deputados também discorda da pena de prisão. Para o líder do governo, o ideal é que haja “cadeia” para quem errar o resultado, mas seus colegas entenderam que ele pode concordar em substituir prisão por “multas pesadas”.
Barros afirmou que o deputado Paulo Martins (PL-PR), integrante da base de Bolsonaro, deve ser o relator do texto. Para acelerar a tramitação, o presidente da Câmara juntou o texto de Barros com outros dois projetos de autoria dos deputados Bibo Nunes (PL-RS) e Rubens Bueno (Cidadania-PR). O projeto de Bueno já está pronto para ser analisado pelo plenário e a união com a iniciativa de Barros dispensa a exigência de análise pelas comissões ou uma votação de urgência.
Embora seja regimental, o regime de urgência é uma previsão excepcional de tramitação e foi interpretado pelos deputados da oposição ao governo como “casuísmo”, gerando críticas nas discussões em Plenário.
Erros continuados sem qualquer punição
O movimento de Bolsonaro e aliados contra as pesquisas eleitorais se intensificou no último dia 2, por fatos concretos. Os erros continuados dessas empresas de pesquisas passam incólumes. “É difícil provar se essas empresas estão a serviço de um “consórcio” para derrubar um dos candidatos, mas isso parece ser o caso”, disse Barros.
Nada acontece como punição, um exemplo ocorreu no primeiro turno da eleição. Como apontou a maior parte dos levantamentos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 48% dos votos válidos. Bolsonaro, no entanto, obteve 43%, resultado que ficou fora do intervalo da margem de erro e bem acima das intenções de voto divulgadas na véspera pelos institutos de pesquisas.
Houve, ainda, números bastante diferentes daqueles aferidos pelas pesquisas quando se apuraram os votos para governador e senador. Institutos argumentaram que os erros se devem à alta abstenção entre segmentos mais favoráveis a Lula e a mudanças no comportamento do eleitor, como o voto útil migrando a favor de Bolsonaro, além de decisões de última hora.
Outro argumento foi o de que as pesquisas não buscam prever os resultados das eleições, sendo apenas um retrato do momento, uma vez que o voto do eleitor é algo mutável.
Houve o caso escandaloso do Ipec no Paraná que num dos erros mais grosseiros da série histórica de erros do antigo Ibope, disse “apenas” que houve um erro de digitação nos números — completamente distorcidos — divulgados naquele Estado, como se isso fosse algo inocente, sem consequências. “Quer dizer que basta trocar de nome e todos mundo vai esquecer o que o Ibope já aprontou. É isso? “, perguntou um deputado que também apresentou um projeto que pune essas empresas de pesquisa.
Bolsonaro chegou a dizer que as pesquisas não deveriam mais ser publicadas porque os institutos estavam desmoralizados. Ministros defenderam o fechamento de institutos, embora o próprio governo e a campanha de Bolsonaro façam uso de levantamentos de opinião para orientar ações de marketing.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.