Pouco mais de sete meses após a prisão do professor Thiago Sajes de Alfaia, a juíza Renata Guerreiro Milhomem de Souza, titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Marabá, cravou uma sentença que o condena em mais de 24 anos de prisão por estupro de vulnerável cometido contra uma aluna dele, de apenas 13 anos, em Marabá. A decisão, da qual o professor ainda pode recorrer, foi publicada ontem, quinta-feira (26), no Diário da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Ele segue recolhido em um presídio da Região Metropolitana de Belém, após ter sido transferido do Centro de Triagem Masculino de Marabá (CTMM).
A longa sentença – que ocupa 18 páginas no Diário Oficial e soma quase 90 mil caracteres – apresenta detalhes do envolvimento do professor com a adolescente, colhidos durante a instrução do processo, que corre em sigilo judicial. A denúncia foi ofertada pela 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Marabá após investigação da Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e Adolescente (Deaca), presidida pela delegada Ana Paula Fernandes.
Formado em Ciências Sociais, Alfaia era professor de Sociologia e trabalhou em várias escolas particulares de Marabá, a maioria no núcleo Cidade Nova.
Conforme a denúncia, entre os meses de junho e outubro do ano passado, ele praticou “conjunção carnal e outros atos libidinosos com a vítima”. As relações sexuais, conforme a investigação, aconteceram dentro do carro e na residência dele. De acordo com o relato, após a esposa de Alfaia e os pais da adolescente descobrirem a existência de um suposto relacionamento amoroso entre eles, a vítima prestou depoimento e descreveu à delegada de que forma a relação se estabeleceu, afirmando que praticou relações sexuais e outros atos libidinosos diversas vezes com o professor.
A acusação destacou que os fatos foram constatados por amigas e familiares da vítima em decorrência da mudança repentina de comportamento dela e da proximidade com o professor, motivo que levou a Polícia Civil a representar pela prisão preventiva do acusado e pela busca e apreensão de bens, como computadores e aparelhos celulares. Além do depoimento da menor, que contou detalhes do relacionamento, amigas dela – que também eram alunas dele – informaram terem conhecimento de que eles mantinham relações sexuais e que “namoravam”.
Acrescentaram que a vítima estava apaixonada por ele e que tinha medo que outras pessoas descobrissem, mas ambos não disfarçavam o relacionamento. Chegaram a afirmar que Alfaia interrompia as aulas para dizer o quanto a menor estava linda, passava na sala de aula dela só para dar um beijo na sua testa, lhe dava mais atenção que o normal e, nos dias de aula dele, quando ela se arrumava mais para ir à escola, ele até dizia que ela o estava desconcentrando.
Elas confirmaram acusações graves narradas pela menina de 13 anos e uma informou ter visto mensagens de texto trocadas entre o acusado e a vítima, nas quais ele a chamava de “amor” e ambos afirmavam estarem com saudades um do outro.
A magistrada, na decisão, afirmou estar plenamente comprovada a prática do crime de estupro de vulnerável e a continuidade delitiva, que soma mais um crime, uma vez que o ato aconteceu reiteradas vezes contra a mesma vítima, nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução. A juíza levou em consideração, ainda, ele ter se aproveitado da situação de professor para ter momentos de proximidade com a adolescente.
Adolescente relatou detalhes sobre o caso
Em depoimento, a vítima contou detalhes do relacionamento vivido com Alfaia. Ela afirma que ele aproveitou de um momento de fragilidade familiar para se aproximar dela e informou que manteve relações com ele por aproximadamente oito meses. Detalhou, inclusive, que os atos aconteciam sem utilização de preservativo e que o professor chegou a fornecer pílulas do dia seguinte para evitar gravidez, o que a fez se sentir mal em algumas ocasiões.
A menor informou que ele foi a primeira pessoa com quem manteve relações sexuais e que o professor deixou de usar preservativo na primeira relação, mantida dentro do carro dele e em local afastado da cidade. Após isso, eles passaram a se encontrar semanalmente, afirmou a vítima, na residência de Alfaia.
Ainda em depoimento, a menina revelou que após o caso vir à tona, concluiu que ele havia aproveitado de um momento em que ela estava vulnerável para cometer abusos sexuais. Informou ter enviado fotografias nas quais posava nua para o réu e que recebeu imagens dele na mesma situação. Afirma ter recebido presentes dele, dentre os quais um anel.
Antes de se relacionarem afetivamente, declarou, os dois eram amigos e passaram a ter maior intimidade quando ela relatou problemas familiares e ele ofereceu apoio. O relacionamento, afirma, teve início em ocasião de um desentendimento que o professor contou para ela ter tido com a esposa dele.
Afirmou que ele a beijou em uma ocasião antes de manterem relação sexual e que ele enviava mensagens nas quais “jogava algumas indiretas”, cerca de uma ou duas semanas antes da relação. Declinou, oficialmente, que o relacionamento entre eles foi descoberto quando já estava quase completando oito meses e que eles mantinham relações sexuais de uma a duas vezes por semana durante esse período.
Declarou que acreditava que o acusado estava gostando dela como namorada e que eles tinham uma relação de apoio mútuo, afirmando que ambos não comentavam muito sobre o fato de ele ser casado. Asseverou que o acusado a chamava de “Europa”, que na mitologia grega era uma ninfa concubina de Zeus, sendo que ele, às vezes, conforme a vítima, se intitulava como “Zeus”.
Por fim, informou que a esposa dele descobriu sobre o relacionamento entre eles e mandou mensagem ameaçando contar o fato para os pais da vítima, além de divulgar as fotos nuas dela. Após o episódio, diz, ainda entrou em contato com o professor por mensagem, contando o ocorrido, e se desesperou, tendo a mãe dela percebido, motivo pelo qual acabou contando para a genitora todo o caso.
Mensagens entre acusado e vítima apontam envolvimento
Ao processo, foram anexados documentos que contêm mensagens enviadas pelo acusado à vítima. Embora o conteúdo do celular de Alfaia tenha sido apagado, adolescente apresentou screenshot do celular dela. Em determinado diálogo, apresenta a decisão judicial, ele diz “não haveria tu, se ela desse mais valor a mim”…”não era para teres dito que tu tinhas terminado nada comigo… Para (…), já não tô bem, queres me deixar pior?”…”Ela pegou meu celular e descobriu a p* da senha como sempre. Ela ameaça, mas não é doida de te fazer nada, eu jamais deixaria…Pode ficar tranquila”.
Para a Justiça, a mensagem confirma a informação prestada pela vítima em audiência quando declarou que manteve contato com o réu através de mensagem logo após a esposa dele descobrir o relacionamento. Outra prova, para a magistrada, foi o fato de Alfaia ter declarado em interrogatório que estava trabalhando na data que a menor aponta como sendo a que ocorreu a primeira relação entre eles. Acontece que as folhas de ponto das duas escolas em que ele lecionava não evidenciam registro de frequência dele naquele dia. Por fim, o laudo sexológico atestou a prática de conjunção carnal.
Acusado se aproximou da família e frequentou a casa da menina
O caso veio à tona quando a vítima contou sobre o relacionamento à mãe, que vive em Redenção. Lá, a genitora procurou a Delegacia de Polícia Civil, que transferiu o caso para a Deaca, de Marabá. Durante as investigações, presididas pela delegada Ana Paula Fernandes, descobriu-se que Thiago Alfaia chegou a frequentar a casa da adolescente.
O irmão da vítima informou ter tomado conhecimento da relação entre ela e o professor apenas quando a companheira dela ameaçou a menor. Informou que antes disso Alfaia acabou se aproximando da família a partir de um problema existente entre a vítima e a madrasta. Na ocasião, a escola chamou os pais para uma reunião, onde o professor estava presente.
Após isso, conta, o denunciado foi à residência da família e afirmou que havia sido designado pela escola para fazer um estudo sobre o problema da família e apresentar um relatório à instituição escolar. Em virtude disso, afirma, o denunciado passou a fazer visitas rotineiras à família e, inclusive, dava carona para os irmãos, que também frequentavam a casa dele. Acrescentou que o acusado deitava a vítima no colo e passava a mão nos cabelos dela, o que causou brigas na família, pois a madrasta dela não achava correto.
O pai da menor confirmou a história, informando que o professor alegou que deveria averiguar se a adolescente sofria maus tratos. Disse que também já presenciou o acusado colocando a filha no colo, porém não desconfiou de nada na ocasião. Relatou que a mãe da menina, em janeiro deste ano, entrou em contato com ele contando acerca da relação existente entre o acusado e a menor e que ambos mantinham relações sexuais.
Em relação a estas declarações, três colegas de trabalho dele prestaram depoimento informando que os professores são orientados a repassarem para a coordenação a existência de qualquer problema familiar envolvendo os alunos, para que sejam tomadas as providências pelos profissionais responsáveis, e que nunca um professor foi nomeado como mediador de conflito para ir até a casa de alunos.
Todos negaram terem conhecimento da relação até ocorrer a prisão dele e um acrescentou que os profissionais são orientados a não terem contato com alunos fora do colégio, principalmente com os do ensino fundamental.
Outra aluna diz ter sofrido assédio e que chegou a fazer denúncia
Uma das alunas ouvidas como informantes revelou ter sofrido assédio por parte do professor, tendo recebido uma mensagem na qual ele afirmava ter sonhado com ela, mas declarando não poder compartilhar o conteúdo do sonho porque se alguém visse a conversa entenderia de “forma errada”.
Em outra ocasião, acrescentou, ele falou que havia sonhado novamente com ela, mas desta vez afirmou que os dois mantinham relação sexual no sonho. Em uma terceira oportunidade, a aluna diz ter ouvido do professor que mais uma vez havia tido um sonho no qual dizia para outra estudante que ambos eram amantes.
Ela afirmou, inclusive, ter escrito uma carta relatando os atos à direção da escola e que ficou sabendo pelo coordenador do estabelecimento de ensino que este havia conversado com o acusado e dado uma segunda chance para ele.
Professor nega ter mantido relacionamento com aluna
Quando preso, Thiago Alfaia se recusou a prestar depoimento à Polícia Civil. Além disso, consta em processo, que na ocasião ele aproveitou um momento em que teve acesso ao próprio aparelho celular para resetar o telefone, a fim de destruir provas que seriam colhidas pela perícia técnica. Por esse motivo, acabou sendo denunciado e condenado também por fraude processual.
Já no interrogatório realizado durante a instrução processual, sustentou nunca ter mantido relações sexuais com a adolescente e afirmou que todos os demais depoimentos colhidos eram mentirosos. Declarou que houve um desentendimento entre a esposa e a vítima e, em retaliação a isso, a menina teria inventado a história.
Confirmou que havia envio de mensagens constantes entre ele e a aluna, mas justificou que fez isso porque a companheira estava afastada dele, o que deu margem para que o relacionamento com a adolescente se estreitasse. Disse que estava trabalhando na data em que a menor afirma ter mantido a primeira relação sexual com ele e observou ser inerente à profissão dele que alunos lhe confidenciem experiências.
Falou que atribui apelidos a todos os alunos e não apelidava a vítima especificamente de “Europa”, chamando ela apenas uma vez dessa forma e acrescentando que explicou a relação, na mitologia, com Zeus, mas não declarou quem se intitulou de “Zeus”. Negou, ainda, a acusação de assédio da outra aluna, negando ter tido sonho sexual com ela e negando que ela tenha reclamado dele à escola.
Afirmou que a esposa sabia a senha do seu celular e, após o afastamento dela, trocou a senha do aparelho e “abriu espaço” para a vítima, passando a conversar mais com ela, como se ambos fossem amigos. Em razão dessa relação de proximidade, relata ele, a vítima teria confessado que ficava com uma amiga. Por fim, confirmou ter dado um anel que comprou no Rio de Janeiro à adolescente, no aniversário desta.
Duas pessoas que se declaram amigas íntimas de Alfaia – e ouvidas na condição de informantes – declararam que frequentavam a casa dele e que chegaram a encontrar a vítima e o irmão dela no local, mas não notaram nada de diferente na relação entre os dois.
A esposa do réu, informou ter conhecido a menor em um projeto do qual ela, o marido e a vítima tinham participado. Relatou que, certa vez, a adolescente enviou uma mensagem para o professor informando problemas pessoais, que ela e o irmão frequentavam a casa do casal, assim como outros alunos. Disse que tinha livre acesso ao celular dele e nunca viu nada que a fizesse desconfiar de algum relacionamento do acusado com a vítima. Todavia, em janeiro deste ano viu uma conversa do réu com a adolescente, onde ela dizia: “E aí, gostou da foto? Tô gata?”.
A informante relatou que se identificou e falou que era melhor a vítima parar de ficar enviando este tipo de mensagem para o marido dela e que se ela não parasse, iria contar o envolvimento dela com as amigas, tendo a ofendida respondido para ela “ver bem o que ela iria fazer”. Disse que nunca interpretou as conversas como um envolvimento amoroso. Ao final, disse acreditar que a menor inventou os fatos porque ele ameaçou revelar o suposto envolvimento amoroso da vítima com uma amiga.
Vinte e quatro anos, quatro meses e quinze dias
A magistrada o condenou a pena privativa de liberdade na modalidade de reclusão em mais de 24 anos, quatro meses e 15 dias, decorrente da pena aplicada por estupro de vulnerável, que deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado. Além disso, ele foi condenado a mais 11 meses e sete dias, na modalidade de detenção, por ter resetado o celular no momento da apreensão pela Polícia Civil. Esta pena deverá ser cumprida em regime aberto, após a execução da reclusão. Por fim, ainda terá que pagar 54 dias-multa, cada um fixado em um trigésimo do salário mínimo, cujo valor será apurado na fase de execução penal.
Logo após ser preso, Thiago Alfaia foi recolhido no Centro de Triagem Masculino de Marabá (CTMM), mas após algum tempo a Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (Susipe), por meio da direção da casa penal, requereu a transferência do preso para estabelecimentos prisional na Região Metropolitana de Belém, sob o argumento de que se trata de custodiado de alta periculosidade e que ele estaria incentivando a massa carcerária à indisciplina e desrespeito aos servidores do presídio, chegando a elaborar planos de rebelião.
O Correio de Carajás chegou a divulgar o caso e após a audiência de instrução e julgamento, a transferência foi determinada para que ele fosse colocado em cela especial, uma vez que possui ensino superior e consequente direito de responder ao crime separado dos demais internos. Ele deverá continuar, por enquanto, recolhido no local, uma vez que a magistrada ainda negou o benefício do apelo em liberdade ao réu, que segue recolhido em casa penal.
A Reportagem entrou em contato com o escritório de advocacia em que atua o advogado Eduardo Neves Lima Filho, responsável pela defesa do réu para saber recorrerá da pena, mas ele não foi encontrado e nem entrou em contato com a Redação, conforme sugerido pela repórter na tarde desta quinta-feira. (Por Luciana Marschall – Correio do Carajás)